O novo contexto que vivemos fez com que a simples arte de namorar tivesse que ser reinventada. A forma como nos relacionamos mudou: o “amor à primeira vista” deu lugar ao “match digital” que, por sua vez, vem substituir as tradicionais relações cara-a-cara. Mas será que o isolamento, provocado pela COVID-19, faz com que o papel da inteligência artificial no sexo e nas relações possa ser considerado por mais pessoas?
Até agora, esta ideia tem permanecido essencialmente na esfera da consciência social ou até mesmo da aceitabilidade. Aliás, mesmo na cultura popular, filmes como Her e Ex Machina seriam encontrados na categoria SciFi em plataformas de streaming. Mas será este um conceito assim tão bizarro de imaginar?
Em 2018, a Forbes descreveu os robôs sexuais como a tecnologia disruptiva que não prevíamos, antecipando, ao mesmo tempo, que estes robôs se tornariam os companheiros mais familiares no futuro. Um ano mais tarde, o The Atlantic manifestou as suas preocupações relativamente à possível desumanização das relações humanas, como resultado desta onda.
Avançando para 2020, entre quarentenas e isolamentos, estas tecnologias, bem como a sua razão de ser, evoluíram ainda mais. De facto, as relações baseadas em inteligência artificial (AI) transformaram-se na melhor – e por vezes, única – alternativa no contexto atual. À medida que tentamos manter as ligações humanas com menos interação humana, podemos estar à beira de um surto de relações virtuais, baseadas em AI e robôs.
Uma análise de género na AI
O aumento da inteligência artificial, satisfazendo a procura humana de relações digitais, é uma tendência que a Kaspersky tem vindo a monitorizar inadvertidamente, através de uma investigação ao longo dos últimos 18 meses. Inicialmente, com o relatório From science fiction to modern reality: Examining Gender in AI em outubro de 2019, a empresa procurou avaliar a ascensão da AI enquanto entidade humana. Em vez de apenas um instrumento de apoio para otimizar os processos e o desempenho humano nas indústrias e nas empresas, analisou também a forma como ela se manifesta nos diálogos, na comunicação e na interação dos sistemas. Assim, foram descobertos vários preconceitos de género, frequentemente resultantes das preferências ou estigmas dos próprios criadores.
Os principais exemplos incluem vozes de navegação por satélite, aplicações de chatbot, altifalantes inteligentes ou assistentes de voz – todos constituídos por vozes femininas programadas para interagir com o utilizador, a seu pedido.
A questão que se coloca é “porquê?”. Dentro deste tema em particular, existem duas perspetivas interessantes. Em primeiro lugar, embora o preconceito de género seja inequivocamente errado, a AI já plantou a semente de sensibilização para o facto dos sistemas, máquinas e robôs de AI poderem adotar um género. Ou seja, não são apenas blocos de hardware e algoritmos concebidos para apresentar soluções. Têm uma voz reconhecível e assemelham-se às relações humanas que estamos a perder atualmente.
Em segundo, se o grupo de criadores for mais diversificado, é também provável que os sistemas se tornem mais atrativos para mais e diferentes grupos de pessoas. Ou seja, estes são subconscientemente concebidos para os desejos dos criadores e, portanto, suscetíveis de apelar a outros grupos com os mesmos interesses.
Amor e solidão
2020 trouxe a razão pela qual as pessoas poderiam procurar explorar este potencial de forma mais concertada. Tal como foi analisado na campanha Love and Loneliness da Kaspersky, 84% das pessoas em toda a Europa admitiram que se sentiram mais sós durante a pandemia do que antes, como resultado de não poderem ver a família, amigos e colegas. Este afastamento do contacto humano levou a que 64% dos jovens entre os 18 e os 24 anos, e 66% dos jovens entre os 25 e os 34 anos, passassem mais tempo a utilizar tecnologia. Plataformas de videochamada, encontros e jogos online, chatbots ou mesmo conversas com assistentes virtuais como a Alexa, tornaram-se atividades predominantes no combate à solidão.
No entanto, estas faixas etárias não devem ser negligenciadas. Mais do que quaisquer outros, são os jovens da Geração Z e os Millennials aqueles que mais dificuldades têm sentido, uma vez que as suas rotinas habituais e as frequentes reuniões e encontros sociais deixaram de existir. São também estes grupos etários os mais prováveis de se depararem e adaptarem a novas inovações e tecnologias. Em termos críticos, podem agora ser o catalisador de mudanças a longo prazo no domínio das relações amorosas.
Assegurar uma nova dinâmica de relacionamento
Já passou um ano desde que a COVID-19 entrou nas nossas vidas e, infelizmente, a situação continua a ser a mesma para muitos. Durante este período, as pessoas terão ficado mais familiarizadas, confiantes, dependentes e criativas no que toca à tecnologia. E, à medida que os sentimentos de solidão se intensificam, torna-se compreensível deduzir que a ideia de conforto, companhia ou proximidade artificial já não é tão bizarra como poderia parecer em 2019.
Aproximando-nos agora daquele que será o Dia dos Namorados em confinamento, e para aqueles que lutam com sentimentos de desapego, é importante não estigmatizar soluções que se estão a tornar mais viáveis e eficazes. A utilização de AI e robôs para melhorar o sexo e as relações não será certamente para todos mas, para aqueles que exploram este território em expansão, é igualmente importante não forçá-los a viver escondidos ou fora da discussão. Se o fizéssemos, estaríamos a criar um ambiente menos seguro para as soluções de mercado que estão a ser utilizadas.
Da mesma forma que o ano passado exigiu uma maior e melhor educação sobre esquemas de phishing, malware, proteção de dados, VPN ou eficácia de palavras-passe, é o conhecimento que mantém as pessoas seguras. E o conhecimento só pode ser partilhado se tudo estiver disponível, suscetível de discussão e se iniciarmos esta nova relação homem-máquina com o pé direito.
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