“DEVE A SAÚDE MENTAL SER UM INDICADOR CRÍTICO DE NEGÓCIO”?

Regina Afonso, Psicóloga Clínica e da Saúde

Abordar o tema da Saúde Mental e falar sobre ele é algo bastante desafiante pela abrangência e transversalidade do mesmo. A Revista Liderança no Feminino foi conversar com Regina Afonso, Psicóloga Clínica e da Saúde. Mestre em Psicologia, Aconselhamento e Psicoterapia, com formação graduada em Terapias Cognitivo-Comportamentais e em Coaching Psicológico no Instituto Português de Psicologia.

“A perda de produtividade devida ao absentismo e ao presentismo causados por Stress e problemas de Saúde Psicológica pode custar às empresas portuguesas até €3,2 mil milhões por ano”. Deve a saúde mental ser um indicador crítico de negócio? Para uma maior compreensão acerca deste tema julgo ser necessário desconstruir esta questão para que possamos compreender a complexidade da mesma. Ao longo dos anos a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem vindo a fazer os seus ajustamentos no que diz respeito aquilo que é a sua definição de Saúde Mental, no entanto, e ainda que a mesma se tenha vindo a modificar, continuamos a lidar no nosso dia-a-dia com questões relacionadas com falta de informação, preconceito e estigma para com as pessoas que dela considerada uma prioridade a nível das políticas de saúde e respetivas práticas.

Fazendo aqui uma retrospetiva, os conceitos Saúde e Saúde Mental, têm vindo ao longo dos tempos, graças a um esforço multidisciplinar e científico, a confluir e a serem integrados em várias áreas do conhecimento, implicando abordagens mais transversais e intersectoriais. Em 1948, a OMS, disruptivamente, integrou a Saúde Mental na definição de Saúde, adotada nesse mesmo ano pela Constituição da OMS, da seguinte forma: “A Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade” , alargando assim o ‘espectro’ acerca da saúde, assumindo o bem-estar mental como algo essencial para um estado de saúde pleno.

Esta definição suscitou alguma controvérsia ao propor um significado irreal à ‘Saúde’, em que as limitações humanas e ambientais fariam da condição de “completo bem-estar” algo inatingível. Ainda que não exista uma definição oficialmente aceite para a Saúde Mental, face aos existentes contextos multiculturais, em 2005 a OMS define a Saúde Mental como “um estado de bem-estar em que o indivíduo reconhece as suas próprias capacidades, consegue lidar com as tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e proveitosa, e é capaz de contribuir para a sua comunidade”. Em que o termo ‘bem-estar’, surge como um constructo de natureza subjetiva, influenciado por fatores culturais, e a Saúde Mental surge como ‘a pedra basilar para o bem-estar e funcionamento pleno dos indivíduos e das comunidades’ (in CNS, 2019). Esta definição de Saúde Mental, remete-nos para a seguinte reflexão – e quando não estão reunidas as condições para se verificar esse estado de bem-estar? Em que o indivíduo não consegue lidar com as adversidades da vida e, como tal, não consegue ser produtivo e nem contribuir para a criação de riqueza da sua organização? Se considerarmos ‘Bem-estar’, subjetivamente, como algo bom que ambicionamos porque nos proporciona muitas coisas positivas tais como saúde, felicidade, tranquilidade, satisfação com a vida, sentido de propósito, viver com significado, etc…, então ‘Bem-estar’ poderá, também, incluir, o Bem-estar psicológico do qual fazem parte aspetos tais como capacidade de desenvolver o seu potencial, trabalhar com produtividade e criatividade, construir relações fortes e positivas com outros (familiares, amigos, colegas, chefias, etc…), promover sentimentos de satisfação, otimismo, confiança e autoestima.
Quando o Bem-estar psicológico está comprometido, o indivíduo começa a ter dificuldade em controlar a forma como pensa, sente e age em relação aos acontecimentos e, nesse sentido, será normal experienciar sentimentos de angústia, medo, ansiedade e vulnerabilidade que o remetem para uma sensação de insegurança e de falta de controlo sobre o que o rodeia, traduzindo-se num estado de hipervigilância conferindo-lhe exaustão física e emocional condicionando, deste modo, a sua produtividade, comprometendo aquilo que a definição de Saúde Mental nos diz “… poder trabalhar de forma produtiva e proveitosa, e ser capaz de contribuir para a sua comunidade”. A consciencialização deste facto poderá ser tanto ou mais desorganizadora conforme for a severidade dos sinais e sintomas que estiverem presentes, tais como: dificuldade na concentração e em manter a atenção; alterações de humor; desinteresse e desinvestimento nas atividades; labilidade emocional; sensação de fadiga e cansaço extremo; alteração do sono e do apetite; dificuldades em planear; dificuldade em tomar decisões; isolamento e evitamento social; etc… Neste sentido, há que rapidamente restabelecer a confiança e a serenidade para inverter a escalada da perda de eficácia e, promover o bem-estar psicológico pois só assim se conseguirá diminuir os níveis de ativação e consequentemente uma redução dos níveis de stresse – favorável ao bom funcionamento cognitivo; agilização nos processos de tomada de decisão e no equilíbrio da sua produtividade.
É importante relembrar, de um modo sucinto, que a produtividade é um indicador robusto na medição do nível de eficiência e eficácia da relação que se estabelece entre o que é produzido e os meios aplicados na produção, estando altamente interligado com a performance no ambiente organizacional e no atingir dos resultados. Parece, assim, importante mencionar alguns dos aspetos fundamentais a ter em conta numa organização para garantir níveis de produtividade esperados, nomeadamente a nível da preocupação com:

– Ambiente laboral – em termos das condições de trabalho e das relações interpessoais;
– Investimento na formação e na qualificação profissional dos trabalhadores;
– Valorização e reconhecimento profissional, com recurso, p.ex., a feedback regular e ao mentoring;
– Respeito pelos trabalhadores enquanto pessoas, no sentido de promover a sua autoestima, motivação e confiança nas suas competências.

Se a produtividade, conforme pudemos perceber, é uma das melhores medidas para aferir acerca da performance organizacional de uma empresa e, como tal, um bom indicador do negócio. Se uma organização, com indicadores de produtividade equilibrados, é uma entidade mais eficiente porque assegura uma utilização eficaz dos seus recursos e, como tal, proporciona melhores resultados e se torna promissora no futuro. Se a produtividade do trabalhador (e respetivas implicações, a saber absentismo e presentismo) está dependente de fatores como Saúde (física e mental) e Bem-estar psicológico. Então o que pode uma organização fazer para além das medidas de promoção e prevenção que, dentro das suas possibilidades, vai implementando? – Pode medir e atuar. A medição, permite aferir resultados que depois de analisados e devidamente contextualizados podem ajudar a organização a ajustar as suas medidas de intervenção de modo a controlar e a garantir a devida sustentabilidade ao longo do tempo.
Existem hoje alguns instrumentos, aferidos para a população portuguesa, que podem ser utilizados em contexto organizacional, para medir o Bem-estar psicológico; a Saúde Mental e avaliar a exposição a fatores de risco para a saúde de natureza psicossocial do trabalhador. Existirão muitos mais que medem e avaliam outras dimensões da pessoa, já em contexto mais clínico, como p.ex. questionários de Satisfação com a vida; Satisfação com o trabalho; Qualidade de vida; Perceção de Stresse; Ansiedade; Depressão, Sintomatologia psicopatológica, etc…
Todos estes instrumentos, desde que devidamente bem aplicados – por profissionais habilitados e com competência para o fazer, são bastante robustos e garantem resultados fidedignos, traduzindo o que se pretendeu medir e avaliar, quer em termos individuais quer em grupo. Mas não basta, apenas, fazer! Há que definir um racional quanto ao que se pretende medir e avaliar, caso se pretendam retirar daí elações que contribuam para o momento atual e a posteriori, ou seja, para futuras comparações após intervenções específicas e concretas.
De referir, ainda, que estas questões são transversais a todas as pessoas que fazem parte da organização – independentemente do nível hierárquico (funções de chefia e liderança vs. operacionais) e dos aspetos sociodemográficos (sexo, idade, raça, estado civil, escolaridade, situação económica, dimensão do agregado familiar, etc…). A Saúde Mental afeta a todos por igual, no entanto, o impacto desta nas funções que cada pessoa desempenha na organização é traduzido de forma diferenciada. Por exemplo, a nível operacional o impacto na produtividade poder-se-á refletir na variabilidade do rácio (produção em quantidades/ número de horas de trabalho).
A um nível hierárquico, que envolva funções de liderança, o impacto da Saúde Mental pode não só interferir nos processos de tomada de decisão do líder como, também, afetar o clima organizacional a nível da comunicação eficiente, da gestão de conflitos, da motivação e do engagement dos colaboradores – influenciando, assim, a própria produtividade da equipa, a sua performance enquanto líder e consequentemente os resultados da organização.
Em suma, respondendo à pergunta inicial, a resposta é: Sim. A par do Bem-estar psicológico e da Saúde física, a Saúde Mental é um ‘indicador’ crítico de negócio no sentido de, depois de esta estar devidamente medida, avaliada e analisada, ajudar as organizações a identificar os motivos e as causas associadas à perda de produtividade e, dar-lhe orientações concretas acerca de medidas a implementar que possam proporcionar melhorias na autoeficácia e consequentemente impactar, de modo positivo, nos resultados da organização.