OS AFETOS, AS LÁGRIMAS E O VALOR DAS MEMÓRIAS NESTE MUNDO NOVO UM ESPAÇO PARA NOS REINVENTARMOS MAIS FORTES?

Helena Anjos, Executive Coach, Mentor & Supervisor Coach

Neste mundo novo, neste puzzle em que as peças não encaixam porque ficaram confinadas a um espaço demasiado pequeno, diferentes realidades são vividas com distintos sentires.

Na realidade das crianças, o espaço escola é substituído pelo espaço casa, onde os pais reaprendem, porque são contentores de afetos, a transformar o corredor num campo de futebol, a mesa da cozinha num salão de cabeleireiro, onde os abraços passaram a acontecer sem pressas e saboreados, onde a minha neta de 4 anos dizia hoje: “mãe, sabes uma coisa? Eu não quero que os polícias tirem o COVID19 da escola porque quando isso acontecer eu já não vou poder estar em casa com vocês, e eu gosto”.

E também existem os pais que não honram a infância dos filhos porque não se honram como adultos. Em casa impera o cansaço, o sufoco de ouvir as crianças.

Vejo-me de costas. As lágrimas invadem-me o rosto. Tenho sete anos e o meu pai, o marinheiro, está longe, no meio do Atlântico. Tenho sau- dades. Dizem-me que está a ajudar os soldados feridos. Habita em mim a memória do seu último abraço na Doca de Alcântara.

E fora do espaço casa existem centenas e centenas de seres humanos a adoecerem, a sofrerem muito e a morrerem sós, sem um último adeus dos familiares.

Este é o mundo novo. Um mundo onde os profissionais de saúde assumem o compromisso diário de salvar vidas.
E choram de dor porque perdem vidas, vidas que partem sem que lhes possam segurar a mão.E sofrem porque não estão no espaço casa a abraçar os que amam.

E nesta viagem, existem casais que se descobrem e ousam viver, com criatividade, cada dia das suas vidas. Respiram o mesmo ar, são a melhor versão de si próprios. Um bife com batatas cozidas é um prato temperado com a cor dos afetos.

E nesta viagem, existem casais que se assustam quando se encontram confinados no espaço casa. Não se conhecem, não gostam do cheiro dos cor- pos, inventam pequenas imperfeições, agora utilizadas como armas de arremesso. Viviam o trabalho, e a casa não era um espaço acolhedor, apenas onde se deitavam a correr.

E esta realidade do “já não sei quem és” acontece enquanto, no mundo novo, os profissionais de saúde, com recursos escassos, se equipam meticulosamen- te para ajudar seres humanos. E vivem o drama de terem que escolher quem vão salvar. E este é um dilema que vai deixar feridas para o resto da vida.

E um dia o meu pai voltou. Os sapatos azuis já não me servem. Estou crescida, estou na 3a classe. O meu pai trazia um menino embrulhado no casaco. Era um menino com olhos gigantes. O meu pai, o meu herói, tinha salvo aquele menino em África. Conta-me que quando desembarcou viu uma aldeia com todos os habitantes sem vida. O menino estava assustado dentro de uma pipa de madeira. Esse menino, hoje, é médico em Coimbra.

E neste mundo novo os filhos não se despediram dos pais. Como se faz o luto nestas situações? Guardam-se as memórias boas, que são atravessadas pela dor do abraço que ficou por dar.

Será que neste mundo novo vamos ter um espaço interno para nos apaziguarmos e reinventarmos? Acredito que sim e que, os que ficarmos, vamos ser pessoas mais completas, mais contentoras de afetos, que vamos olhar para a vida com um olhar curioso e carinhoso.

Ontem, a vida fez-me uma oferta de esperança. Tive duas sessões de Coaching com duas pessoas da mesma empresa. Ambos tem posições de topo. Começaram o processo há 3 semanas. Ana sabia que o seu poder estava na sua atitude bomba relógio e na sedução. João não sabia como falar com ela, nem com os colaboradores. Vivia prisioneiro do medo de falhar na comunicação.

Senti que neste mundo novo também se ousa sorrir. Estes clientes já conversam, o João reconhece o esforço da Ana para falar com calma e ser solidária.

Executive Coach, Mentor & Supervisor Coach

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