INOVAÇÃO TECNOLÓGICA PORTUGUESA NA PRESERVAÇÃO DA ECONOMIA AZUL

Custódia Rebocho é Administradora executiva da Bluegrowth, uma empresa portuguesa que,através da tecnologia de ponta, promove um desenvolvimento sustentável das atividades económicas ligadas ao mar e a outros recursos hídricos. Criar impacto positivo no Mundo é uma das premissas desta empresa.

A Bluegrowth surge como resposta às preocupações com a economia azul?

A Bluegrowth surge das oportunidades que emergem de um novo paradigma de desenvolvimento baseado no azul que cobre mais de dois terços do planeta onde vivemos, o mar. Respondemos a estas preocupações levando ao mercado conhecimento e soluções tecnológicas concebidas para apoiar o desenvolvimento sustentável das atividades económicas que usam, ou que impactam com o mar, e outros recursos hídricos.
Estamos conscientes de que os recursos no planeta estão a acabar e que Portugal é um país que, para além de possuir recursos naturais limitados, faz um uso insustentável dos que tem. A juntar à dívida soberana, a dívida ambiental portuguesa aumenta ano após ano e como empresa de base científica e tecnológica, especializada nos desafios da “Economia Azul”, reconhecemos a nossa obrigação em produzir riqueza ao mesmo tempo que geramos valor social e ambiental.
A iminência da escassez de recursos, as alterações climáticas, a crise energética e a urgência de transitarmos para uma economia carbono neutral, colocaram na agenda dos líderes mundiais a necessidade de modelos de desenvolvimento sustentáveis, como é o caso do modelo do “Crescimento Azul”.
Como empresa procuramos explorar o potencial que emerge da Revolução Digital em curso, colocando-o à prova das oportunidades que surgem dos novos paradigmas de desenvolvimento para Portugal, Europa e o resto do Mundo.

Quais os maiores desafios na salvaguarda da economia azul?

O tempo é o nosso maior desafio, porque urge «fazer acontecer» em vez de apenas falar sobre. É preciso concretizar o potencial, gerando riqueza ao mesmo tempo que reparamos os danos causados pelas décadas de industrialização selvática que o planeta sofreu. Apostámos num modelo de negócio que surge da simbiose do universo digital com os compromissos de desenvolvimento sustentável, pois acreditamos que este nos permitirá explorar o potencial e concretizar as oportunidades com um impacto positivo para o Mundo em que vivemos.

Quais as parcerias que têm desenvolvido no campo da inovação tecnológica?

O nosso leque de parceiros é muito vasto. Somos pequenos demais para conseguirmos inovar na oferta e explorar os mercados internacionais sozinhos. Procuramos parceiros que, como nós, assumam compromissos de responsabilidade social e ambiental nos quais nos revemos. A nossa resposta ao mercado baseia-se na oferta de conhecimento e de soluções tecnológicas, concebidas para apoiar o desenvolvimento sustentável das atividades económicas que usam ou que impactam com o mar e outros recursos hídricos.
Na área da dessalinização e purificação de água, somos parceiros da empresa norte americana, OffGridBox, com a qual trabalhamos em soluções para o fornecimento de água potável em comunidades rurais ou em locais remotos do planeta. Este desafio coloca à prova a resiliência das nossas tecnologias, para operar nos ambientes mais extremos, e a sensibilidade da nossa equipa, para lidar com situações de elevada complexidade humanitária.Na área da robótica submarina, estabelecemos um acordo de cooperação tecnológica com um dos maiores fabricantes mundiais, a francesa SubSeaTech. Juntos estamos a explorar mercado e a atrair investimentos para Portugal. Contudo, mais do que as parcerias empresariais ou institucionais que celebramos dentro e fora do país, podemos dizer que somos um projeto empresarial com muitos amigos e curiosos que, todos os dias, e principalmente nos dias mais difíceis, trazem até nós a energia extra que precisamos nas pernas e a luz para vermos melhor o caminho que estamos a percorrer. Destaco o papel do Fábio Santos da Startup Angra, do José Damião do Madan Park, do Duarte Pimentel do Terinov, do Freddy Duarte da Netspin, do Samuel Silva da Domatica, do Nelson Pinho da Microsoft, da Sandra Silva e do Ruben Eiras da DGPM, do André Magrinho da Fundação AIP e muitos outros que nos atendem o telefone nas horas difíceis.

A primeira aposta da Bluegrowth foi no setor da aquacultura. Como surgiu essa aposta?

É uma aposta em curso e a base para quase tudo o resto que fazemos. Desenvolver vida debaixo de água tem as suas complexidades. Quando olhamos para um prado os nossos olhos veem o verde que indica haver pasto. Também conseguimos observar o comportamento dos animais: se comem, se crescem… já dentro de água os nossos olhos vêm pouco e os restantes sentidos de pouco ou nada nos servem. Foi muito rápido conseguir identificara oportunidade. Chegar a soluções tem sido um dos desafios que mais apelou à multidisciplinaridade e resiliência da nossa equipa. O setor aquícola em Portugal está em vias de desenvolvimento. Procurar a voz do cliente para apoiar o desenvolvimento do produto coloca-nos, quase sempre, longe do país. Isso tem exigido bastante mais da nossa dedicação. Já existem muitas tecnologias de monitorização de qualidade da água. Esse tem vindo a ser um pequeno espaço do mercado que está a ser fortemente disputados quer por grandes empresas quer por pequenas startups. A Bluegrowth posicionou-se um pouco mais à frente na cadeia de valor, oferecendo uma solução completa de monitorização, suporte à decisão e automação. Hoje, temos condições de poder automatizar todos os processos produtivos com uma abordagem tecnológica competitiva. O papel da inteligência artificial continua a ser uma miragem, mas estamos empenhados em conseguir ir mais além com os dados que possuímos, por enquanto fazemos pouco mais do que tentar.

Um pouco por todo o mundo a aquicultura tem sido alvo de fortes críticas dos ambientalistas. Como relacionam a vossa aposta no setor com a vossa mensagem de sustentabilidade?

É verdade. Sabemos que muitos dos modelos produtivos são deficientes, por isso torna-se pouco responsável embandeirar em arco a sustentabilidade da atividade. Mas tudo tem um caminho para melhorar e o setor tem vindo a percorrê-lo a passos largos. A necessidade de alimentar a população mundial obrigará a que se produza mais proteína na água. É expectável que os modelos de produção se intensifiquem. O que não é expectável é que o façam sem um forte suporte tecnológico. As abordagens inteligentes são o braço direito para se alcançar abordagens sustentáveis. As tecnologias de informação têm um papel determinante nesse exercício. Cabe-nos a nós, desenvolver soluções competitivas e que sejam possíveis de ser democratizadas.

Estar no mercado global da robótica submarina é um passo importante para a vossa empresa?

Sem dúvida! A internacionalização das empresas portuguesas é um passo decisivo para a sustentabilidade da economia do país. Procuramos abordar os mercados internacionais com a aposta numa estratégia de Piggy-Back, ou seja, estabelecemos parcerias com empresas que nos permitam estender o nosso portfólio, ao mesmo tempo que podemos introduzir as nossas tecnologias nos seus produtos. É um modelo de parceria, baseado na cooperação tecnológica, que nos permite a alcançar vários mercados, beneficiando dos canais de venda dos nossos parceiros. Adicionalmente, temos o nosso portfólio de produtos estendido à oferta dos nossos parceiros, permitindo-nos atuar como distribuidores e gerar valor nos mercados em que operamos. Eu venho da Literatura e das Ciências Sociais, como formação de base, e possuo interesses muito diversos e até contraditórios, às vezes. É como a minha relação com o mar. Seria incapaz de viver sem ver o mar, no entanto é uma relação contemplativa, não passa por navegá-lo. Já o mar profundo… adorava conhecê-lo. O desconhecido sempre me motivou a ir mais além e a estimular os outros a irem para além das suas fronteiras.

A Bluegrowth vai criar, em Portugal, o primeiro centro de excelência de robótica submarina. É uma resposta à incipiente taxa de adesão tecnológica, nas atividades emergentes ligadas ao mar?

O incremento das taxas de adoção tecnológicas nas atividades emergentes ligadas ao mar não é uma opção, é um imperativo! A nossa abordagem segue o propósito de darmos um contributo para eliminar as barreiras ao incremento das taxas de adoção tecnológica. Em Portugal, a aplicação da robótica submarina na eficiência produtiva das atividades económicas ligadas ao mar está condicionada pela falta de respostas na manutenção, reparação de equipamentos e formação das pessoas. “Imaginem o que seria viver num país sem escolas de condução e oficinas para a reparação e manutenção de automóveis! Temos a certeza de que o acesso aos automóveis seria condicionado a uma elite com sérios desafios para manter o seu património.” Ora, é isso que acontece no que se refere à robótica submarina. Por exemplo, se um aquicultor português investir num ROV, a curto prazo é confrontado com o facto de não existir oferta formativa que responda às necessidades de capacitação dos seus colaboradores, e a médio prazo é confrontado com a inexistência de serviços manutenção e reparação dos seus equipamentos. A nível académico, em Portugal, na faculdade de engenharia da Universidade do Porto e no Instituto Superior Técnico, existem bons trabalhos científicos e bom desenvolvimento de competências. A nossa missão é converter esse potencial em negócio, apoiando a democratização de tecnologias que são essenciais para o desenvolvimento sustentável da Economia do Mar. Estamos convictos de que vamos conseguir superar estas barreiras, criando condições para que, também, o investimento tecnológico seja sustentável.

Recentemente foi também anunciado a aposta na economia social. Em que consiste o projeto? Quais as áreas de atuação?

Apostar em projetos de inovação social permite-nos gerar valor ao mesmo tempo que combatemos as assimetrias que afetam muitos daqueles com quem partilhamos o planeta. Irrigar os campos para combater a fome, purificar a água para combater as doenças, gerar rendimento para combater a pobreza, empregar mulheres para combater a desigualdade, são os objetivos que marcam o projeto OffGridBox. A OffGridBox consiste numa unidade modular, capaz de fornecer energia renovável e água limpa a 300 famílias em áreas remotas e países em desenvolvimento. O sistema integra a produção de energia fotovoltaica, dessalinização e purificação da água, permitindo a vida independente em qualquer ambiente, seja por escolha ou por causa de desastres naturais. A sua administração, nos países em desenvolvimento, é entregue a uma mulher responsável pela manutenção dos equipamentos e pela gestão do abastecimento de eletricidade e água à comunidade. Em todo o Mundo, cerca de 2,1 biliões de pessoas não têm acesso a água potável e 4,4 biliões vivem sem saneamento básico, resultando anualmente na doença e na morte de milhares de pessoas. A minha formação de base humanista e a minha experiência de vida não me permitem ficar indiferente a esta realidade. A mais valia da economia social é o envolvimento direto (responsabilidade, compromisso e ganhos partilhados) dos agentes diretamente implicados no problema e que são também os que trabalham a solução. Ao longo do meu percurso como professora, numa escola da margem sul do Tejo, lidei com várias situações de extraordinária complexidade social que, desde cedo, me fizeram compreender a importância dos valores da inclusão. Atualmente, com este projeto, atuamos na área do fornecimento de água sob um modelo que luta contra a fome, a sede, a doença e as desigualdades numa realidade que nos está distante dos olhos, mas perto do coração. Dentro em breve, esperamos levar a cabo novos projetos em áreas de atuação como a saúde e o envelhecimento da população.

Como travar o emergente colapso dos nossos recursos naturais?

Com abordagens holísticas, inteligentes e inclusivas. A educação tem um papel preponderante na criação de um modelo inclusivo. A literacia dos oceanos e o pensamento sobre a sustentabilidade chegou tarde aos currículos escolares e isso tem atrasado a construção de uma consciencialização social para comportamentos mais responsáveis. A educação tem um papel preponderante na criação de um modelo inclusivo. É preciso investir nas áreas do saber que nos permitam alcançar soluções que não passem pelo depauperamento dos recursos ou do seu uso indevido. A literacia dos oceanos e o pensamento sobre a sustentabilidade há muito que deveriam ter ocupado a transversalidade dos currículos escolares, contribuindo, deste modo, para a criação de uma consciencialização social precursora de movimentos de transformação assentes em comportamentos responsáveis em tempo mais útil.

O desenvolvimento inteligente, inclusivo e sustentável são premissas da vossa equipa. Como a descreve?

Somos uma equipa multidisciplinar, com competências das ciências sociais à engenharia, cuja diversidade nos permite um olhar diferente, privilegiado, holístico. Procuramos criar uma equipa de pessoas felizes, com uma ética humanista, solidária e inclusiva, garante dos valores universais e respeitadora da diversidade. Temos preocupações e ambições comuns e unem-nos valores e crenças que denominamos como “Cultura de Mar”. O nosso processo de recrutamento assenta na valorização de soft-skills. Os talentos, encontram-se; as competências, desenvolvem-se; já a paixão, vem de dentro! A nossa “Cultura de Mar” leva-nos a privilegiar o “sangue na guelra”, o resto vamos desenvolvendo com base na cumplicidade e afetos. Temos uma política de desenvolvimento pessoal e profissional que suporta os valores da inclusão no seio da nossa equipa. Preocupamo-nos com o desenvolvimento das pessoas e não as metemos em caixinhas. Não mediatizamos quantas mulheres temos nos quadros da empresa, se empregamos ou não pessoas com deficiência, emigrantes, refugiados, etc.. Estatísticas para demonstrar cumprimento de metas são exercícios de redução das pessoas a números.

Preservar a economia azul significa…

Reparar os problemas, criando valor para aqueles com quem partilhamos o planeta.

Da literatura às engenharias… como é que conjuga a sua formação de base humanista com a liderança de uma empresa de base tecnológica? Quais os desafios?

Objetivamente, com trabalho de equipa, no qual a formação académica e as características pessoais de cada um constituem partes integrantes e complementares do todo que somos. Nós, Bluegrowth, possuímos várias áreas de atuação: a tecnologia é a base, faz parte das soluções que oferecemos. No entanto, a nossa visão, os valores que nos unem, são consonânticos com a diferença que queremos fazer acontecer, com o nosso comprometimento para com a sustentabilidade. Ainda que grande parte dos desafios que se nos colocam sejam, aparentemente, especialmente vocacionados para a área das ciências naturais ou da engenharia, não nos podemos esquecer que as pessoas estão no centro daquilo que fazemos. Produzimos tecnologia com pessoas e para pessoas. O meu contributo vai nesse sentido. As questões técnicas, específicas de cada área científica, têm os seus especialistas. Eu compreendo como funciona um processo produtivo em aquacultura, por exemplo, mas sou incapaz dominar as especificidades que dizem respeito aos domínios de conhecimento da biologia marinha. Só que, em qualquer solução ou qualquer projeto, deve existir uma visão holística, aliás, é uma tendência cada vez maior a da intervenção das humanidades e das ciências sociais nos mais diversos projetos de diferentes áreas.

Ser presidente da Bluegrowth representa…

Um compromisso perante a sustentabilidade. Desde que me lembro de ouvir falar sobre alterações climáticas, aí pelo início dos anos 80, que nunca mais deixei de me inquietar com esses assuntos e de tentar fazer a diferença, de dar a minha contribuição individual para minorar impactos. A humanidade foi inconsequente na exploração dos mares e da terra e estamos a pagar por isso, com a ameaça da própria extinção do planeta, tal como o conhecemos. O oceano é o verdadeiro berço da humanidade e a água é vida! Liderar um projeto que tem como foco esta premissa é um grande orgulho pessoal. As pessoas são a base de tudo, e aquilo de que as pessoas são feitas é que faz a diferença. E na base está a educação, seja a formal seja a informal. A igualdade de género, por exemplo, passa muito pela educação. Hoje é um facto que as mulheres conseguem desempenhar as mesmas funções que os homens só que, pelos motivos histórico sociais que todos conhecemos, tal tem-lhes sido vedado e tem levado o seu tempo. Sou mulher, mãe, esposa, professora, presidente executiva da Bluegrowth e par de muitas outras mulheres como eu. Considero importante termos visibilidade, porque isso comprova que somos capazes, porque pode servir para aplacar inseguranças àquelas que ambicionam mais, porque pode demonstrar que é possível. O facto de também estar ligada à educação num local em que domina a interculturalidade, num contexto complexo quer económico quer social quer de índole humana, tornou-me muito próxima de uma realidade onde o espaço é o do respeito pela diferença, da aceitação do outro, da inclusão. Os ambientes mais carenciados propiciam maiores clivagens sociais, por isso, a educação é uma parte fundamental. Há mulheres anónimas, verdadeiras heroínas que, contra ventos e marés, asseguram sozinhas o futuro dos filhos, mantêm profissões mal remuneradas e estudam à noite para melhorar as suas condições de vida. Para elas tudo é mais difícil. Mas elas são uma inspiração para mim, porque por muito difícil que me seja conciliar mundos diferentes, tenho sempre presente esse exemplo que elas representam. Para mim, a conciliação do mundo profissional com o familiar também não é fácil, como também não é fácil viver! Não sou especialmente disciplinada, sou mais do tipo passional… é um bocadinho como uma montanha russa, calmo numas partes e intenso noutras… Não tenho receitas, não sigo receitas, vou pelo coração. No limite, são os afetos que dominam o mundo.