ABRAÇAR A COMUNICAÇÃO INCLUSIVA

NOVOS PROJETOS NA LÍNGUA GESTUAL PORTU- GUESA: PELA PRIMEIRA VEZ EM PORTUGAL, O HUMORIS- TA FERNANDO ROCHA INICIOU A ACESSIBILIDADE EM LÍNGUA GESTUAL DO “PI100PÉ”, UM CANAL DO YOUTUBE.
Amélia Amil, créditos NV Studios

Amélia Amil é intérprete de língua gestual portuguesa no Porto Canal, a estação televisiva que tem vários programas com acessibilidade gestual. Ao longo da entrevista à Liderança no Feminino, Amélia frisa a importância em levar a informação a todos os públicos.

NO NORTE DO PAÍS FOI A PRIMEIRA INTÉRPRETE DE LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA. UM MOTIVO DE ORGULHO PARA A COMUNICAÇÃO INCLUSIVA.

Desde cedo que Amélia acompanha surdos para transpor a barreira comunicacional em tribunais e autoridades públicas. Um papel que desempenha desde os seus doze anos de idade.

O seu percurso profissional começa a revelar-se enquanto ocupava o lugar de primeira funcionária da Delegação do Porto da Associação Portuguesa de Surdos, entidade esta que foi posteriormente substituída pela Associação de Surdos do Porto (ASP), por onde seguiu caminho.

Naquele tempo, iniciava-se um ciclo de aceitação da língua gestual na sociedade, nas mais diversas frentes. A realização os exames de código na obtenção do título de condução com intérprete de língua gestual foi um marco onde Amélia também foi pioneira. Hoje recorda esses tempos como “momentos memoráveis, inesquecíveis e intensos”.

A batalha pela inclusão da comunidade surda provocou burburinhos quando Amélia promoveu o debate de “Filhos de um Deus menor”. Momento jamais esquecível, do qual recorda “o quanto polémico e “barulhento” foi este silêncio que se espreguiçava e se agigantava, contra quem achava que os surdos não deviam deixar-se dominar pela língua gestual”.

A acessibilidade à língua gestual portuguesa levantou voo e iniciou uma nova agenda política e social. Este foi um primeiro momento marcante, de destaque, e que iniciou a aceitação dos surdos com a sua língua materna: “Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades”, registado no Diário da República no. 86/1976, Série I de 1976-04-10.

A intérprete foi também a primeira pessoa a trazer à cidade do Porto, o Ministro da Segurança Social (1991), o Dr. Silva Peneda, a propósito da inauguração da nova sede da ASP, a 14 de setembro de 91. Este encontro simbolizou o marco em que a Língua Gestual começou finalmente a ocupar e merecer a atenção da agenda dos nossos políticos.

A ACESSIBILIDADE À INFORMAÇÃO É A MAIOR REIVINDICAÇÃO DA COMUNIDADE SURDA?

Os surdos são como os ouvintes, apenas não ouvem. É um handicap que não tem rosto, mas profundamente doloroso. A língua gestual é a língua materna dos surdos, é nela que se expressam no seu mais profundo eu. As mais pequenas banalidades da vida diária, passando pela informação, entretenimento, e tudo o que compreende e transmite pela comunicação, é impreterível que esteja acessível em língua gestual.

Amélia Amil, durante a nossa conversa, fez-nos um convite, que passamos agora a todos os leitores:

Embarquem comigo nesta imagem: imaginem-se numa evacuação obrigatória num shopping da cidade por motivo de incêndio de uma das alas; ou a informação de que tem de se aproximar do veículo “tal”, que pertence a um surdo; ou simplesmente, explicar a posologia de uma medicação em contexto hospitalar a um surdo. Este é só o princípio do desfiar da meada de interrupções à vida de um surdo”.

O caminho é colocar todos os conteúdos sempre acessíveis em língua gestual. Amélia não vê nem compreende outro caminho. Tal como um amigo seu surdo diz: “vocês (ouvintes) podem aprender a falar em língua gestual, mas eu (surdo) não posso aprender a ouvir!”

A publicidade, a informação institucional, as informações, os conteúdos digitais, os espetáculos, o turismo (…) tudo terá acessibilidade em língua gestual. Para Amélia, a missão apenas estará cumprida no dia em que tudo o que se diz estiver também em língua gestual, afirmando que até lá não descansará, tão pouco serenará.

 

COMO SURGE O CONVITE PARA SER INTÉRPRETE DE LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA EM PROGRAMAS DE TELEVISÃO?

Amélia sempre foi uma ativista da causa dos surdos. Enquanto CODA (Child of Deaf Adults), isto é, filha de pais surdos e que dependiam da língua gestual para comunicar fluentemente. Devido ao histórico familiar, a minha língua materna é a língua gestual e a língua portuguesa é, então, a sua segunda língua.

Convidada pela RTP1, em 1992, desenvolveu o papel de intérprete televisiva. Permaneceu nesta atividade até 1996, altura em que a mesma se viu obrigada a ser cancelada por falta de verbas. Contudo, felizmente foi retomada há alguns anos, por via da ERC, que obriga a transmissão televisiva em língua gestual, nos canais generalistas da parte da programação, com um número mínimo de horas.

É neste contexto que, em 2017, recebeu o convite do Porto Canal para a interpretação em língua gestual da programação desta estação do Norte.

Pertencer ao Porto Canal, para Amélia, “é um privilégio, porque é uma estação onde as pessoas valem muito. O que nos move é a paixão pelo que fazemos. Existe uma grande amizade e cumplicidade entre todos. O Porto Canal não é um sítio onde trabalhamos, é um lugar que amamos. É difícil explicar isto. Sente-se. É tão bom sentir esta casa como a nossa segunda casa. Aqui valorizam-se as pessoas”.

Pela primeira vez em Portugal, programas ecuménicos com o jornalista Pedro Carvalho da Silva, entrevistas como a de Júlio Magalhães, programas “Transparências” e “Pontos nos Is”, da jornalista Ana Guedes, jornais e programas desportivos, passam a ser acessíveis em língua gestual. É desta forma que se voltam a abrir portas à acessibilidade em programas, nunca traduzidos em nenhuma estação televisiva.

O Porto Canal é uma estação televisiva que permite a acessibilidade gestual em todas as frentes possíveis, inovando em Portugal com conteúdos inéditos, levando o seu trabalho muito além da difusão da comunicação, desenvolvendo também um trabalho de inclusão junto da comunidade.

 

SER OUVINTE E INTÉRPRETE SIGNIFICA…

“Ser intérprete significa colocar a tua voz, as tuas palavras nas minhas mãos. Cada voz é um desafio. Cada interpretação uma paixão.”

Amélia tem já no seu currículo o registo de várias intervenções públicas, escritas e faladas, sobre os “silêncios” das nossas vidas, como os silêncios nos levam ao sucesso e torna-nos mais eficientes nas várias vertentes da nossa vida. Silêncios sem isolamentos.

 

COMO PODEMOS APRENDER LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA?

A via corporativa é uma de várias opções. Há muitos professores surdos a ensinar língua gestual nas próprias empresas.

Para a intérprete faz todo o sentido, por exemplo, que um franchisado de qualquer marca, saiba pronunciar, em língua gestual, a ementa da sua casa.

Para a própria, qualquer empresa que se preocupa com as suas vendas deve disponibilizar ao seu staff conteúdos funcionais em língua gestual para os clientes surdos, pois os surdos são clientes também.

Também é possível aprender língua gestual portuguesa, individualmente, em associações de surdos, na área de residência mais próxima.

 

SABEMOS QUE ABRAÇA OUTROS DESAFIOS. PODE-NOS EXPLICAR QUAIS SÃO?

A língua gestual é algo que se habita em si de forma natural, espontânea e os surdos são a sua segunda prioridade na vida, logo após as suas filhas.

Amélia, tem também outros desafios. Também especiais. Acabou de escrever um livro, que está a ser traduzido em duas línguas gestuais e que prevê a sua publicação ainda no decorrer deste ano. Esta obra retrata também a sua história de vida, tal como, representa a forma como a sociedade é vil para com os mais vulneráveis.

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NOVOS PROJETOS NA LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA:

PELA PRIMEIRA VEZ EM PORTUGAL, O HUMORISTA FERNANDO ROCHA INICIOU A ACESSIBILIDADE EM LÍNGUA GESTUAL DO “PI100PÉ”, UM CANAL DO YOUTUBE.

Site: www.linguagestual.pt