A IMPORTÂNCIA DO APOIO PSICOLÓGICO EM SITUAÇÕES DE CRISE

Inês Ribeiro
A Cruz Vermelha tem, nos últimos anos, colocado a saúde mental como uma das missões prioritárias. Inês Ribeiro, Coordenadora Nacional de Saúde Mental e Apoio Psicossocial da Cruz Vermelha Portuguesa, é responsável pelos projetos implementados em Portugal. Uma psicóloga de campo, que trabalhou com várias situações delicadas e de crise, conta-nos a relevância do apoio psicológico na realidade pandémica.

Inês Ribeiro nunca foi uma típica psicóloga clínica sentada numa cadeira confortável no seu gabinete. O seu percurso começou pela área da investigação associada à depressão. Mais tarde, integrou uma Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, onde encarou os seus primeiros desafios e onde colaborou durante alguns anos. Atualmente é a Coordenadora Nacional de Saúde Mental e Apoio Psicossocial da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP).

Ser psicóloga não estava nos seus planos de infância. Nos seus sonhos, existiam tecidos de todas as cores, brilhantes e vestidos para bonecas, mas a sua ambição de ser estilista foi “assassinada” por um professor do 7.º ano – “disse-me que nunca ia desenhar “coisa alguma”, confesso que tinha razão”, brinca.

Com vontade de ajudar os outros e sensibilizada com questões de injustiça e desigualdade, seguiu psicologia desafiada por uma amiga. A escolha, quase ao acaso, revelou-se a mais certa para si anos mais tarde. “O curso de Psicologia capacita-nos obviamente para a intervenção clínica, mas também, para a investigação e para a reflexão crítica”, afirma.

Com um currículo longo, já passou por vários cargos e áreas diferentes. Em 2018, integrou o Projeto Fénix, desenvolvido pela Coordenação Nacional de Emergência da Cruz Vermelha Portuguesa, que deu resposta aos concelhos afetados pelos incêndios de 2017. Nesse projeto, integrou Equipas de Saúde Mental Comunitárias que não dispunham de um psicólogo. Para além do apoio importante para superar situações de stress pós-traumático, depressão entre outras condições, serviu também para capacitar técnicos de primeira linha em Primeiros Socorros Psicológicos, como ferramenta de intervenção em situação de crise.

Dar apoio a pessoas em situações atípicas e de crise foi algo que Inês nunca se recusou. Um dos seus maiores desafios foi a sua missão humanitária em Moçambique. “Perdi o chão quando cheguei a um campo de deslocados, aquele que seria o mais pequeno, e me disseram que existiam cerca de 100 tendas o que equivalia mais ou menos a 400 pessoas”, relembra.

A saúde mental é um setor que a Cruz Vermelha e o Movimento Internacional da Cruz Vermelha têm assumido como prioritário nos últimos 3 anos. Para tal, definiram 2 pilares de intervenção. O primeiro recai na sensibilização e promoção da resiliência comunitária, através de ações e projetos dinamizados por todo o país e com diferentes públicos-alvo.

O segundo implica a intervenção em situações de emergência e catástrofe, com equipas espalhadas por todo o país. Como reforço extra, durante a pandemia, foram criadas cerca de 53 linhas locais de apoio psicossocial. Ainda dentro deste pilar se realça a necessidade de garantir o bem-estar dos socorristas da CVP que, diariamente, são expostos a situações emocionalmente exigentes.

No que concerne a intervenção psicológica, disponibilizam programas específicos dirigidos a empresas que procuram apoio psicológico para os colaboradores. Face às consequências da pandemia, Inês revela que muitas empresas procuram a Cruz Vermelha para realizar ações de promoção do bem-estar no local de trabalho bem como a avaliação dos riscos psicossociais e a gestão dos mesmos.

Possuem ainda respostas diferenciadas de apoio a vítimas de violência doméstica e de apoio psicológico para crianças e jovens vítimas de violência doméstica.

Apesar de a saúde mental se ter tornado num tópico pontual na comunicação social, o estigma contra doenças do foro psicológico ainda existe. Este surge do medo do desconhecido e baseia-se em crenças que promovem a incompreensão e a pouca tolerância, explica. “É frequente pensar-se que pessoas com doença mental são perigosas, imprevisíveis, incompetentes para cuidar de si e dos outros ou até mesmo responsáveis pela sua própria doença. Ninguém escolhe ter gripe, da mesma forma que ninguém escolhe ter depressão”, ilustra a psicóloga.

“Muitas pessoas ainda têm receio de ser desconsiderados no local de trabalho ou pelos próprios familiares”, diz. É necessário falar abertamente sobre o tema e evitar palavras como “maluco” ou “psicopata” que perpetuam crenças enraizadas na nossa cultura. Inês Ribeiro acrescenta ainda que “é importante promover a literacia em saúde mental, até para que as pessoas possam identificar em si alguns indicadores de sofrimento, aceitá-los e procurar apoio de forma precoce.”

São vários os estudos que comprovam as consequências da pandemia na saúde mental dos portugueses. Este aumento nas doenças psicológicas veio inundar os já insuficientes serviços psicológicos do SNS. Dos cerca de 24 mil psicólogos que existem em Portugal, apenas mil se encontram no SNS. Esta falta de profissionais já foi sinalizada pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, mas o acesso a ajudas psicológicas continua inalcançável para uma grande parte da população. De acordo com Inês, este não é um caso único de Portugal.

Sugere como uma alternativa a “implementação de projetos na comunidade, com vista à psicoeducação grupal”, mas admite que esta não irá eliminar a necessidade de apoio psicológico ou psiquiátrico.

Tal como a saúde mental, a crise humanitária de refugiados foi agravada pela Covid-19. A CV apresenta-se como um aliado na batalha, protegendo os migrantes e pessoas deslocadas, colocando “o dever de humanidade acima de todas as outras considerações” e reconhecendo “que a humanidade de uma pessoa não depen- de das fronteiras que atravessa”, realça Inês.

Desde 2015 que a CVP proporciona alojamento a cidadãos requerentes de proteção internacional de várias nacionalidades, apoiando o processo de integração, atuando em três níveis. A Resposta Humanitária, na qual prestam o apoio básico, como distribuição de alimentos, apoio psicossocial, assistência médica e restabelecimento de laços familiares. A CVP tem em prática um modelo onde são realizados rastreios de saúde mental que permitem identificar situações de maior vulnerabilidade e sofrimento psi- cológico, que são retidas para acompanhamento. As principais causas são situações de stress pós-traumático, depressão e luto.

Segue-se a Integração, providenciando informação sobre os direitos e obrigações dos migrantes e requerentes de asilo, promovendo a integração ou reintegração através de acompanhamento, orientação e encaminhamento.

Por fim, a Sensibilização da comunidade, técnicos e profissionais com vista a promover o combate ao racismo, à xenofobia e à discriminação. Inês conta que os portugueses têm aderido às campanhas de donativos associados ao tema e as empresas estão sensíveis com a causa. Todavia, a área ainda carece de sensibilização para que “haja mais conhecimento e interesse em colaborar no processo de integração.”