A linguagem da Natureza e da Arte … pétala a pétala, sílaba a sílaba. Este é um artigo poético, aviso. Requer namoro e tempo, por isso, se tem que cumprir com as suas tarefas e dispõe apenas de uns instantes, escusado será lê-lo.
Simplicidade. Começo por lhe dar uma imagem da simplicidade. Uma folha é simples e o som do vento que a balança também. Uma pedra redonda na praia é simples e o som da onda que a arrasta também. O som de um didjeridu é simples, e o som do piano no Lied Auf dem Wasser zu singen de Franz Schubert também. O pássaro que canta e a voz da Soprano Edita Gruberova, um lago de águas paradas e uma melodia de Gustav Mahler, tudo isto é simples. Simples porque a sua presença é uma evidência na vida.
Evidentemente a lua brilha quando está cheia e evidentemente a Edit Piaff canta. Porém, definir esta simplicidade não é simples, pois a sua matriz segue a linha da intemporalidade, apenas acessível àqueles que têm tempo para a imaginar e sentir. Para entender a simplicidade de uma flor que se abre é preciso falar a sua língua, é preciso saber falar como ela fala. Poetas como Eugénio de Andrade ou Sophia de Mello Breyner, cantoras como a Maria Callas, entenderam a lentidão desta flor que se abre, porque a fizeram nascer também dentro de si. Da atenção que dedicaram ao mais ínfimo detalhe de si mesmos e do mundo, brotaram os gestos e as palavras que emprestam luz à
humanidade – para sempre.
Mas como chegar a esta flor que se abre lentamente, pétala a pétala, sílaba a
sílaba?
Sendo um ciclo que se repete sem que lhe adivinhemos um fim, é no movimento do sol, que nasce e que se põe, que podemos reconhecer o passar do tempo. O ritmo que gere a pulsação do nosso coração e de fenómenos naturais como o ciclo lunar determina o ritmo da nossa vida. A linguagem dos ciclos da natureza e do nosso próprio corpo, tem o seu próprio modus operandis, é perceptível através dos sentidos que conhecemos, mas também de muitos outros, que embora presentes, são desconhecidos da nossa cultura ocidental. Estes são os sentidos da Sabedoria do Corpo, uma sabedoria que não tem raiz na nossa mente, mas sim no movimento do próprio Planeta.
O movimento que observo e escuto no rio é o mesmo movimento da linguagem artística, reconheço hoje. A linguagem da arte e a linguagem da natureza têm muito de semelhante, existem segundo a evolução de uma força, uma espiral, a mesma da galáxia, a mesma de uma planta verde. O desenho dessa espiral foi marcado na rocha pelos nossos ancestrais, o ser humano desenhou-a porque a intuiu e reconheceu. O movimento dessa linha é fruto de uma sabedoria que está muito para além da capacidade de realizar as nossas tarefas do dia-a-dia, é uma sabedoria que está impressa nas ranhuras das folhas e nas veias do nosso corpo, que ultrapassa idades e se mantém, na
verdade, intacta. É a sabedoria que garante o bater do nosso coração, que garante a nossa gestação e o nosso crescimento. É a memória transversal, que ressoa em todos os cantos do mundo quando a borboleta rompe do seu casulo, uma planta brota da sua raiz ou uma criança nasce. Em primeiro lugar somos matéria dos elementos da Terra, somos os seres que habitam as planícies, as florestas, as montanhas, os desertos, os rios e os mares. É neste princípio de vida, que poderemos romper as barreiras que nos impedem de tratar uma árvore como irmã, um rio como um ancião, o mar como uma mãe. Lentamente o ser humano abrirá no futuro outros campos de percepção que o permitirá construir a sua cidade sem violentar a fertilidade da terra que pisa. Este é um princípio feminino de construção, aquele que está em falta nas nossas estruturas. É um princípio artístico também, porque está imbuído de sensibilidade. O artesão, o construtor do futuro, será um artista da natureza. Mas para isto é preciso nutrir aquilo que chamo de – espaço do vazio intenso. O reencontro da Ocidental com a Natureza parte da disponibilidade para estar neste vazio, parte da entrega ao mistério, ao solo desconhecido e às mãos do arquétipo da Mãe, enfim renascida em nós. Para definir este reencontro teremos todos que ser poetas um dia.
Ana Maria Pinto
Março de 2019