Sílvia Carreira, licenciada em pintura pela Escola Superior Artística do Porto, em Estudos Artísticos pela Universidade Aberta e pós-graduada em Cidadania Ambiental e Participação, com mais de 30 anos dedicados às questões ambientais, integra movimentos pela Justiça Climática. Após uma carreira de vinte anos de ensino e como artista plástica, encabeçou a lista vencedora que se apresentou às eleições realizadas em 1 de novembro de 2022, do Núcleo Regional de Lisboa da Quercus, com uma proposta de fazer mais e de forma mais participada dentro da associação.
A responsabilidade de estar á frente de um Núcleo de uma Organização Não Governamental com 38 anos de existência é muita e torna-se ainda maior quando se tem como objetivo fazer diferente, fazer melhor e transformar o Núcleo num espaço dinâmico e participado que enriqueça a comunidade e projete o nome da Quercus.
O trabalho transformativo das relações e a construção de formas mais solidárias e ambientalmente responsáveis, já estava a ser feito por mim na Rizoma Cooperativa Integral, na qual tenho um papel ativo na construção de um processo cooperativo alternativo. A Rizoma Cooperativa Integral, organiza-se de forma horizontal, aplicando os princípios da sociocracia ou “governança dinâmica”, cunhados no início do século XIX, pelo filósofo francês Auguste Comte, segundo ele um sistema de governo baseado em decisões tomadas levando em consideração a opinião de indivíduos iguais integrantes de uma estrutura organizacional semelhante a um organismo vivo. Esta forma de organização prevê que todos os participantes de uma sociedade, seja ela profissional ou civil, contribuam para seu desenvolvimento.
Como nos organizamos dentro da cooperativa: as tarefas são divididas por grupos de trabalho autónomos que alinham periodicamente estratégias através das reuniões de círculos de coordenação. Esta é uma forma dinâmica de fazer a construção de uma comunidade em que todas as pessoas sejam ouvidas e as suas opiniões integradas no todo.
A questão da participação cidadã, está também presente na tese que estou a escrever, a qual pretende dar um contributo para entender o que motiva e como se processa esta participação nas cooperativas da nova geração.
É esta experiência que tento levar para dentro do núcleo Regional, com esta equipa constituída por um núcleo duro de 5 pessoas que, de forma voluntária, disponibilizam parte do seu tempo pessoal para se dedicarem a um projeto em que acreditam.
Estes primeiros meses apresentaram algumas dificuldades iniciais. A primeira dificuldade está relacionada com a extensão territorial núcleo, que para além de todos os concelhos do distrito de Lisboa, abrange ainda Benavente; A segunda dificuldade é a ausência de infraestrutura do núcleo, o que nos está a obrigar a começar tudo do zero, mas que também permite fazer diferente em ter- mos organizativos. E finalmente, o facto de toda a associação estar em fase de regeneração. Este é um grande desafio que exige muita resiliência, alguma experiência organizativa e criatividade, porque muitas vezes trata-se, use-se a expressão, de fazer omeletes sem ovos.
A atual equipa nasceu da vontade de um grupo de associados que queriam um Núcleo mais dinâmico e participativo nas questões do Distrito. Já há algum tempo que iniciamos reuniões abertas on-line para falar de ambições e sonhos, e às vezes, de forma informal fazer algumas caminhadas, limpezas de praias, bem como apoiar outras organizações que trabalham com questões ambientais. Inicialmente era um conjunto de pessoas que queria «fazer coisas» mas ainda não tinha definido uma estratégia nem objetivo maior. O desgaste de um ano de reuniões, de dificuldades de comunicação e de disponibilidade por parte da anterior direção do núcleo, foi afinal moldando o que inicialmente era apenas uma vontade indefinida.
Após este período inicial de maturação e quando chegou a altura das eleições para os Núcleos Regionais, resolvemos avançar com uma proposta de programa e convidar para suplentes, pessoas que, pela sua experiência em áreas diversas, poderiam enriquecer e apetrechar a equipa para os desafios futuros.
Desde o primeiro dia que o grupo se tem organizado de forma horizontal, partilhando sonhos, projetos, ideias, convites, etc., que nos chegam de instituições, associações ou pessoas individuais, conversando e concertando escolhas e decisões internamente e escolhendo caminhos por consenso ou por consentimento. Reunimos semanalmente e trabalhamos numa plataforma digital que permite a comunicação, debate de ideias e partilha de informação e temos um grupo de comunicação rápido no Signal. Implementamos processos transparentes e inclusivos mantendo sempre um canal de comunicação privilegiado com a Direção Nacional para coordenação de iniciativas e troca de ideias quanto a novos projetos.
Somos pessoas com experiências e conhecimentos variados. Pessoas provenientes de áreas diversas mas unidas pela questão ambiental e pelo sentimento de necessidade de fazer algo na luta para travar a crise climática. Nesse sentido, construímos o programa que tem a vertente da dinâmica interna e da relação com a comunidade, proposto a votação na Assembleia Geral de dia 1 de novembro e que estamos a concretizar.
O programa dos sonhos, como muitas vezes o vejo, é o programa que queremos efetivar como estratégia para o objetivo final de trazer os associados para a vida da Quercus, pondo fim ao afastamento que hoje se vive.
Para a concretização dos objetivos queremos ser uma direção de núcleo dinâmica, incentivadora da participação de todas as pessoas e disruptiva. Esta construção é desbravar caminho e laboratório de construção como ação coletiva. Estamos a otimizar processos para no futuro sermos mais ágeis e efetivos nas respostas às necessidades que vamos encontrando quer em ambiente urbano, quer em ambiente rural, o que está a exigir um esforço extra porque estamos a fazer ao mesmo tempo uma aprendizagem dos pontos fracos e dos pontos fortes locais onde podemos intervir e colmatar problemas, procedendo ao potencial que temos entre os nossos associados. Isto para que os associados possam colaborar com a direção do núcleo e serem integrados na equipe de trabalho. Para isso estamos a ouvir os nossos associados um a um através de um primeiro contacto telefónico, o que pode ser um primeiro passo para colaborações futuras.
Uma “governança dinâmica” exige uma construção de relações interpessoais sólida que pede a todas as pessoas envolvidas muitas vezes sair da nossa zona de conforto para caminhos novos. Para além do trabalho dentro do grupo exige também um trabalho pessoal de construção individual e de aprendizagens novas. Nesse sentido estamos também a fazer novas formações para conseguirmos adquirir ferramentas que possibilitem essa construção. Estamos a estruturar um programa de formação interno que, também em alguns momentos, está aberto a associados e membros da Direção Nacional que o queiram integrar para facilitar processos transparentes e participados de organização.
Temos o limite temporal do mandato que são dois anos, o que impõe um ritmo de trabalho intenso pois não queremos terminar o nosso exercício sem deixar os alicerces construídos do que que acreditamos deverá ser uma Quercus do século XXI em termos organizativos. Que permita um crescimento da Associação, que a torne forte e mais interventiva na sociedade, neste tempo em que tão necessária é a ação nas questões de proteção, conservação e intervenção ambiental para a sobrevivência da humanidade. A emergência das alterações climáticas, com fenómenos climáticos extremos são disso testemunho constante. É esta emergência que nos mobiliza todos os dias para o nosso trabalho. Norteados pelos princípios da nossa declaração, pretendemos o unificar de todas as ações, tanto ao nível do estudo como da intervenção, o conhecimento, salvaguarda e promoção do património biofísico da nossa nação, consciente de que ele é parte integrante dos bens comuns da humanidade, bem como promover o incremento da educação ambiental e cívica dos cidadãos.
Estamos determinados em fazer uma Quercus preparada para dar resposta aos desafios do século XXI