O retrato como marca de quem somos
Sara Correia é apaixonada por fotografia. Em cada clique, reflete a personalidade de quem lhe olha pela objetiva. Na sua opinião, a fotografia é mais do que um papel, mais do que um ficheiro.
Deixou a área de marketing e comunicação para se dedicar, em exclusivo, à fotografia, nomeadamente, ao retrato. É mais fácil comunicar em imagens?
O meu percurso profissional na área de gestão, sempre esteve mais ligado à vertente de marketing e publicidade, e isso permitiu-me acompanhar tendências, desenvolver novos conceitos e criar novos produtos.
Ao contactar com muitas pessoas e liderando projetos aliciantes, sempre tive como principal motivação a criatividade. Paralelamente, a Fotografia fez sempre parte de mim e sempre fui apaixonada por imagens.
A fotografia começou a entranhar-se cada vez mais no meu dia-a-dia, até que decidi abandonar a área empresarial e ir atrás da minha paixão. Voltei a estudar mais 2 anos de Fotografia e apostar numa nova carreira profissional, como fotógrafa.
Alguns anos depois, é interessante refletir sobre esta questão. Não diria que é mais ou menos difícil comunicar através de imagens. Penso que as imagens são a forma mais impactante de comunicação. A área de comunicação precisa de imagens e recorre cada vez mais a fotografias com impacto, que ajudem a transmitir uma mensagem, a passar um conceito, a potenciar o “engagement” com o seu público alvo.
Quando se desenvolvem imagens com propósito comercial, geralmente são sempre muito objetivas, e fazem parte de um plano de comunicação alicerçado em vários suportes, para que a mensagem chegue ao público alvo da forma mais clara possível.
Uma imagem fotográfica não comercial é, na minha opinião, mais ambígua e, do ponto de vista artístico e emocional, mais interessante.
A imagem pode “falar” com o interior de cada um, de tantas formas diferentes. A imagem pode despertar em cada um, emoções diferentes. A imagem pode inspirar cada um, de formas diferentes.
O facto de uma imagem só poder encerrar em si tantos “mundos” diferentes é, na minha opinião, um dos aspetos mais apaixonantes da fotografia. Essa multiplicidade de olhares sobre cada imagem e o poder que a fotografia tem no despertar de consciências, permite que cada um faça a sua própria viagem.
Não considero que essa ambiguidade entre a história que o fotógrafo quer contar, e a história que o observador será capaz de sonhar, seja um “problema” quando estamos a falar de retrato, fotografia artística, fotografia autoral. Já se isso acontecesse num contexto de marketing poderia sim representar um problema no que diz respeito à eficácia da estratégia de comunicação.
Cada imagem conta uma história. Qual a fonte de inspiração?
O principal foco do meu trabalho é o retrato. Todo o trabalho que desenvolvo tem o objetivo de contar histórias, despertar emoções e imortalizar o que é efémero.
Estou, também, convencida que a Fotografia é uma espécie de terapia que estimula o autoconhecimento, e que pode ser trabalhada no sentido de melhorar a autoestima das pessoas retratadas.
Estas convicções são a minha base, e estão sempre presentes.
A minha inspiração são sempre as pessoas que retrato e a minha objetiva apaixona-se sempre um bocadinho por todas elas. Pelas suas histórias, as suas virtudes, as suas fragilidades, e até as suas mágoas. Porque é da soma de tudo isto que somos feitos.
O que eu espero é que a sessão fotográfica seja para as pessoas uma “celebração de si mesmas” e que no final saiam mais confiantes do que entraram. Em alguns casos, a sessão fotográfica vai ainda mais longe, permitindo que o retratado ganhe uma maior consciência de si próprio.
Fotografo muitos bailarinos e, nas imagens das poses “congeladas”, eles vêm uma fração de segundo dos seus movimentos, dos quais, muitas vezes, não tinham real perceção. A sessão funciona como uma espécie de “ensaio” e tomada de consciência, que leva a que conheçam melhor o seu potencial e possam corrigir pequenas coisas que sejam necessárias.
Para mim, o retrato prende-se com exploração da identidade e as fotografias devem espelhar o corpo e a alma das pessoas que retrato. A pessoa é sempre o meu “centro” de inspiração, que depois se funde com o meu próprio mundo, a minha forma de ver os outros, o meu olhar sobre as coisas. Esse mundo, por sua vez, é a soma de tudo o que já vivi, das coisas que li, que vi, que sonhei, que, e principalmente, senti. Vou buscar muitas referências a outras fontes de inspiração como a pintura e a poesia.
Como já referiu, a fotografia é um processo terapêutico. Qual a estória mais marcante?
Todas são marcantes para mim. Lembro-me, por exemplo, de uma bailarina que me disse que não sabia que era capaz de “voar” assim, até ver as suas fotografias.
Recordo-me também de mulheres que chegaram com uma lista de defeitos de si mesmas, e que ao fim de umas horas começaram a sentir-se confortáveis na sua pele, e a aceitar que o que as torna especiais é a soma de todas essas caraterísticas.
No trabalho de retrato mais artístico, e por vezes mais surrealista, já tive histórias de pessoas que utilizaram essas imagens para imprimir e colocar na parede do quarto, porque as inspiravam e as faziam sentir-se mais capazes de sonhar.
Também me marcou o momento em que uma pessoa que me pediu desculpa por ter tentado negociar o preço de uma coisa cujo valor é incomensurável… 2 anos depois de eu ter fotografado a sua filha. Esta é um das minhas missões. Fazer com que as pessoas valorizem a Fotografia. As fotografias não são apenas papel ou ficheiros. São uma prova visual da nossa existência… contam uma história… e fazem com que ela permaneça. E nenhum valor monetário pode comprar-nos um bilhete de volta ao momento que vivemos agora.
A história mais marcante de todas é, sem dúvida, aquela que envolveu uma pessoa que entretanto já partiu.
O que espera da “Liderança no Feminino”?
Talvez porque sou mulher, porque penso como uma mulher, porque sou uma romântica incurável, o meu trabalho é quase sempre muito feminino. (No entanto, adoro fotografar homens, porque considero um desafio, pois, embora esteja totalmente fora da minha zona de conforto, gosto de enfrentar).
O que eu espero da “Liderança no Feminino” é que seja mais uma fonte de inspiração. Um espaço onde eu possa encontrar muitas histórias cheias de valor, e conhecer outros testemunhos, outros mundos, outras influências. Acredito que a solidariedade feminina deve existir, não porque as mulheres são melhores ou piores que os homens, mas porque têm uma natureza diferente dos homens, e devem ter a habilidade de se compreenderem melhor entre si, de se ajudarem, de serem boas aliadas.