Todos os anos tomamos conhecimento de tragédias humanitárias que envolvem rotas migratórias de entrada na União Europeia. São vários os movimentos migratórios que têm como destino a Europa, sendo que de entre as principais rotas, a do Mediterrâneo, é a que afeta os países que nos estão mais próximos, tais como a Espanha e a Itália. Grande parte destes migrantes acaba por cair em redes de traficantes, sedeados, sobretudo, na Líbia, responsáveis pela introdução de migrantes na Europa, através de embarcações ilegais e sem quaisquer condições de segurança.
De entre os migrantes encontram-se numerosas mulheres e crianças. Essas mulheres e crianças são um grupo mais vulnerável de entre os migrantes. Fugiram de guerras ou procuraram na Europa uma vida mais segura, estável e melhor, depositaram todos os seus bens e esperança num grupo de traficantes, em troca de promessas vãs, tais como, a de obter um trabalho, uma casa, escola e saúde para os filhos.
Na maioria das vezes, a travessia para alcançar a fronteira da Europa termina em morte antes mesmo da chegada ao destino. Algumas mulheres clandestinas arriscam a sua própria vida, outras perdem as suas crianças, outras ainda são desviadas para redes de tráfico de seres humanos e prostituição. Estas mulheres não têm quaisquer direitos, não são respeitadas, não têm acesso a cuidados de saúde, não têm acesso à educação e ao trabalho, a um salário igual, ou qualquer direito fundamental. Estas mulheres não têm nada, nem sequer identidade, porque se encontram em situação ilegal.
A União Europeia tem tentado combater este flagelo e, nesses termos, intensificou os esforços com o objetivo de travar estas redes, mas o problema está longe de ser definitivamente resolvido. Tem, assim, realizado um enorme esforço e canalizado avultadíssimos fundos, dezenas de milhões de euros, para responder à crise migratória. Algumas das suas ações tem passado pela formação de guardas costeiros e à melhoria da gestão das fronteiras, mas também, ao apoio às comunidades locais e à proteção e assistência de migrantes e refugiados. Têm sido, também, melhoradas as condições nos centros de acolhimento e aprimorada a política de migração europeia, mas há, ainda, muito caminho a percorrer. Naturalmente, trata-se de um problema de difícil resolução porque não é um problema exclusivo da União Europeia, mas envolve países terceiros. Por isso, a estratégia tem passado pela tentativa de minimizar o dilema, através da celebração de acordos de cooperação internacional.
Portugal encontra-se, também, disponível para receber refugiados da Itália e da Grécia, bem como, participa do Programa de Reinstalação de migrantes da União Europeia, pelo que, alguns destes migrantes e refugiados são transportados para Portugal. Os migrantes que chegam a Portugal ficam a residir em centros de acolhimento temporário de acordo com o previsto em protocolos existentes para o efeito, e a partir daí, o Estado português fica com a incumbência de os legalizar. Estes protocolos envolvem a atividade de várias entidades (tais como, o Instituto de Segurança Social, o Instituto de Emprego e Formação Profissional, o Alto Comissariado para as migrações, instituições de solidariedade social e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras).
O Alto Comissariado para as Migrações (ACM) é em Portugal, o instituto responsável por colaborar na definição, execução e avaliação das políticas públicas em matéria de migrações, relevantes para a atração dos migrantes. Os esforços que tem desenvolvido têm sido notáveis. Assim, o ACM proporciona aos migrantes, de forma gratuita, o acesso a gabinete de acolhimento, de assuntos sociais e inclusão, apoio jurídico, inserção profissional e ensino.
Contudo, os esforços do ACM têm sido insuficientes porque inexiste um planeamento de conjunto para o período previsto nos protocolos de acolhimento, integração e legalização dos migrantes e refugiados em Portugal. Assim, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que foi até à sua extinção o organismo responsável pela efetiva legalização dos migrantes, não conseguia dar resposta durante o período de vigência dos suprarreferidos protocolos. Acontecia que a legalização dos migrantes acabava por ser constantemente adiada, causando-lhes vários transtornos.
A legalização definitiva dos migrantes é um requisito essencial para que esses possam usufruir de uma vida condigna e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) veio a apresentar diversas falhas de serviço – a demora no andamento dos procedimentos de legalização, a dificuldade no agendamento para início de procedimento e o caso mediático do cidadão ucraniano que foi morto nas instalações do SEF, entre outras – levando-os a sobreviver num campo de incertezas.
Em face disso, por exemplo, os migrantes e refugiados que eram distribuídos por centros de acolhimento temporário beneficiavam de excelentes condições de alojamento, bem como, de programas de integração social, com a possibilidade de aprender a língua portuguesa, obter acesso a cuidados de saúde e apoio à integração profissional. No entanto, essas condições são temporárias e duram apenas enquanto vigorar o protocolo e chegados ao final do prazo previsto pelos referidos protocolos, muitos migrantes não se encontravam, ainda, definitivamente legalizados devido a atrasos do SEF. A demora na legalização definitiva desses migrantes, entre as quais mulheres e crianças, deixava-os numa situação de extrema vulnerabilidade porque eram obrigados a deixar as instituições de acolhimento no final do contrato, mas o atraso da legalização dificultava-lhes a emancipação.
Os migrantes que não se conseguiam legalizar acabavam por cair em redes de tráfico e por sofrer tratamentos desumanos. Aliás, não raras vezes tomamos conhecimento de situações de migrantes em Portugal a residir em extrema carência económica e a serem sujeitos a condições de exploração e escravidão. Estas condições a que os migrantes se expõem são fruto de necessidades básicas, que acabam por se sujeitar como meio de obter rendimento e um espaço para dormir.
Entretanto, foi decidida a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a criação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA). Durante este período de transição entre a efetiva extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e a criação do novo organismo deve ser definida com exatidão as regras que serão aplicadas aos migrantes em Portugal e a proteção adequada às mulheres e crianças migrantes e refugiadas.
É, portanto, necessário repensar a política migratória e as soluções de conjunto, a bem dos migrantes, mas também a bem dos portugueses. Não há dúvidas de que os migrantes podem ser uma mais-valia para o país, desde que, haja uma política migratória bem estruturada. Urge, portanto, seja elaborada e concretizada uma política séria em matéria migratória que permita e preveja a necessária proteção aos migrantes e refugiados, com especial atenção, às mulheres e crianças, e naturalmente, também não esqueça os portugueses, devendo existir o cuidado de organizar, devidamente, as entradas e estadias no território, promovendo-se, assim, a segurança de todos.