O SÉCULO XXI DEVE SER O SÉCULO DA IGUALDADE DAS MULHERES

Tânia Gaspar, Psicóloga, Mestre em Saúde Pública, Professora com Agregação em Psicologia

O século XXI é a Era da ciência e da tecnologia. No domínio da ciência e da tecnologia, podemos observar um crescimento constante. Há avanços em todos os domínios. O papel das mulheres também se alterou neste século.

O movimento pelos direitos das mulheres atingiu a maioridade no século XX. A Declaração Universal dos Direitos do Homem afirmava a igualdade de direitos entre homens e mulheres e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres traçava uma visão da igualdade de género.

A Agenda 2030 e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Nações Unidas, 2015) que são a visão comum para a Humanidade, um contrato entre os líderes mundiais e os povos tem como 5o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável a igualdade de género.

A Estratégia da União Europeia (EU) para a Igualdade de Género apresenta objetivos políticos e ações para realizar progressos significativos até 2025 no sentido de uma Europa com igualdade de género. O objetivo é uma União em que mulheres e homens, raparigas e rapazes, em toda a sua diversidade sejam livres de seguir o caminho que escolheram na vida, tenham oportunidades iguais de prosperar e possam participar e liderar a nossa sociedade europeia em pé de igualdade.

Para tal será necessário acabar com a violência baseada no género; desafiar os estereótipos de género; colmatar as disparidades entre homens e mulheres no mercado de trabalho; conseguir uma participação equitativa nos diferentes sectores da economia; colmatar as disparidades salariais e de pensões; colmatar as desigualdades na prestação de cuidados e conseguir um equilíbrio entre homens e mulheres na tomada de decisões e na política. A estratégia segue uma abordagem dupla de integração da perspetiva de género combinada com ações específicas, sendo a interseccionalidade um princípio horizontal para a sua implementação. Um marco importante é a diretiva relativa ao equilíbrio entre homens e mulheres nos conselhos de administração das empresas, que visa melhorar o equilíbrio nos cargos de decisão das maiores empresas na UE. Após 10 anos de negociações, a diretiva foi finalmente adotada em 2022.

A Comissão Europeia (CE) lançou uma campanha para desafiar os estereótipos de género, em 8 de março de 2023. Esta campanha à escala da UE aborda os estereótipos de género que afetam tanto os homens como as mulheres em diferentes esferas da vida, incluindo as escolhas profissionais, a partilha de responsabilidades de cuidados e a tomada de decisões. Trata-se de um resultado concreto da Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025.

As nações devem concentrar-se nesta questão, não só devido à injustiça que lhe é inerente, mas também porque uma série de estudos indica que uma maior igualdade resulta num melhor desempenho económico.

Só através da participação igualitária poderemos beneficiar da inteligência, da experiência e dos conhecimentos de toda a humanidade. A igualdade de participação é vital para a estabilidade, ajuda a prevenir conflitos e promove o desenvolvimento sustentável e inclusivo. A igualdade de género é a condição prévia para um mundo melhor.

Ao longo dos últimos anos, estas questões têm vindo a ganhar destaque no plano sociopolítico. Partindo de uma motivação inicial ligada à defesa da dignidade humana sem qualquer forma de discriminação, este tema foi ganhando importância como pilar fundamental para a construção de uma sociedade mais saudável e de um ambiente de trabalho e de negócios mais forte e eficaz.

Apesar dos progressos realizados nas últimas décadas, estas disparidades entre homens e mulheres continuam a ser um problema significativo que exige uma análise aprofundada, ações decisivas e lamentavelmente continuam a ser observadas em vários setores da sociedade, nomeadamente ao nível da participação, acesso, direitos, remuneração ou benefícios. Atualmente, as desigualdades dizem respeito principalmente à participação no mercado de trabalho, à educação e à participação política. A atual taxa global de participação das mulheres no mercado de trabalho é inferior a 47% e dos homens é de 72%. Para não mencionar que, de acordo com o inquérito ILO-Gallup de 2016, uma percentagem substancial de indivíduos ainda considera inadequado que uma mulher tenha um trabalho remunerado fora do agregado familiar.

Para ser exato, este sentimento é partilhado por 20% dos homens e 14% das mulheres em todo o mundo.

Outra manifestação desta disparidade é a desigualdade salarial, em que as mulheres ganham consistentemente menos do que os homens por trabalho equivalente, resultando no que é comummente referido como disparidade salarial que se situava na EU em 12,7 % em 2021. Isto significa que as mulheres ganham, em média, menos 13,0 % por hora do que os homens. Esta disparidade salarial acumula-se ao longo do tempo, tendo um impacto significativo no bem-estar económico e social das mulheres.

A disparidade salarial entre homens e mulheres abrange um conceito mais amplo do que a mera discriminação salarial, uma vez que inclui um vasto leque de disparidades em que as mulheres se confrontam ao nível do acesso a oportunidades de emprego, de progressão nas suas carreiras e de obtenção de recompensas equitativas. Estas disparidades incluem, por exemplo, o chamado “teto de vidro”, que permite que as mulheres alcancem posições de topo tanto em empresas públicas como privadas. É um fator crucial na determinação dos níveis salariais, sendo que menos de 8% dos diretores executivos das grandes empresas são mulheres. No que se refere às profissões com as desigualdades mais significativas na UE, destaca-se a gestão, uma vez que as mulheres em cargos de gestão ganham menos 23% do que os homens.

Este fosso é evidente nas empresas e na participação política, onde as mulheres tendem a estar sub-representadas nos cargos políticos e nos conselhos de administração das empresas. Esta sub-representação diminui a sua influência nos ambientes de elaboração de políticas e de tomada de decisões.

Além disso, as mulheres suportam frequentemente o fardo do trabalho não remunerado, incluindo as responsabilidades domésticas e de prestação de cuidados aos descendentes (filhos/netos) e ascendentes (pais/avós). Esta distribuição desigual do trabalho não remunerado condiciona as suas oportunidades de participação plena no mercado de trabalho.

No domínio da educação, apesar dos progressos significativos, persistem disparidades de género, especialmente nas disciplinas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e nos cargos de liderança académica. Estas disparidades impedem a plena realização do potencial das mulheres nestes domínios.

Em Portugal a situação é semelhante, já que as mulheres se encontram em maior risco e com menos oportunidades do que os homens. Os resultados do Laboratório Português dos Ambiente de Trabalho Saudáveis identificam que as mulheres portuguesas, quando comparadas com os homens, têm mais riscos psicossociais no trabalho relacionados com as chefias, autonomia e saúde mental. Por exemplo são as mulheres que mais sentem que não são informadas com antecedência sobre decisões importantes, referem que não sentem que o seu trabalho é reconhecido e apreciado pela chefia direta, que a sua chefia não valoriza a sua satisfação no trabalho, que não são respeitadas e tratadas de forma justa no local de trabalho, sentem que têm menos oportunidades de desenvolvimento e que têm menos autonomia, motivação e prazer em realizar o seu trabalho. As mulheres são as que menos percecionam que a organização promove a igualdade de remuneração e de oportunidades entre homens e mulheres e que tem práticas remuneratórias justas e competitivas face às praticadas no mercado. Por outro lado, são as mulheres que mais referem ir além do que é esperado de si, ou seja, fazer um esforço extra quando necessário.

Em relação ao teletrabalho são as mulheres que mais referem que quando estão em teletrabalho, não lhes é garantido o acesso aos meios (tecnológicos ou outros) e às condições necessárias para suportar a atividade em regime de trabalho e que quando estão em teletrabalho, não conseguem realizar bem a sua atividade (sem interrupções, sem perda de tempo nas deslocações, etc.).

Ao nível dos riscos psicossociais relacionados com a saúde mental, são as mulheres que mais referem sentir-se exaustas, irritadas, tristes e sentir-se alvo de ameaças ou outra forma de abuso físico ou psicológico (ex: insultos, assédio sexual, discriminação, etc.). São as mulheres que também percecionam uma menor competência de gestão das situações de stress, sentem que são incapazes de controlar as coisas que são importantes na sua vida ou de lidar com os problemas, sentem que as coisas não correm como gostariam e que as dificuldades se acumulavam ao ponto de não serem capazes de as ultrapassar.

O estudo Ecossistemas de Ambientes de Aprendizagem Saudáveis (EA2S) que estuda a perceção dos estudantes universitários sobre o ambiente de aprendizagem conclui que também são as raparigas universitárias que revelam mais riscos psicossociais. São as estudantes que mais frequentemente referem que não são informadas com antecedência sobre decisões ou mudanças importantes, que sentem que os conflitos na Instituição de Ensino Superior não são resolvidos de forma justa, que estão menos satisfeitas com a relação com os seus colegas. São as raparigas que têm mais receio de ter insucesso escolar. As estudantes são as que menos percecionam que a instituição de ensino superior promove a igualdade de oportunidades entre os estudantes e as estudantes e o equilíbrio entre a vida académica e pessoal. Por outro lado, são também as estudantes que mais referem ir além do que é esperado de si e fazem um esforço extra quando necessário.

Ao nível dos riscos psicossociais relacionados com a saúde mental, são as estudantes que referem sentir-se mais exaustas, irritadas e tristes. São as estudantes que também percecionam uma menor competência de gestão das situações de stress, sentem que são incapazes de controlar as coisas que são importantes na sua vida ou de lidar com os problemas, sentem que as coisas não correm como queriam e que as dificuldades se acumulavam ao ponto de não serem capazes de as ultrapassar.

Ao longo da história, o estatuto das mulheres sofreu transformações significativas e assistiu a importantes mudanças sociais, especialmente no que respeita ao trabalho feminino. Atualmente, embora tenham sido alcançados marcos significativos ao longo da história, a discriminação e o estereótipo que consideram as mulheres como mais adequadas para papéis relacionados com o lar e o cuidado dos filhos não foram completamente ultrapassados, mesmo nos países mais desenvolvidos. Verificamos que a igualdade de género continua a ser um objetivo distante. No mundo do trabalho, nos últimos vinte anos, a igualdade entre homens e mulheres registou melhorias encorajadoras, mas ainda há muitos progressos a fazer. As tendências encorajadoras são o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho, os seus progressos em termos de melhoria da educação e da formação e o aumento da autodeterminação da mulher no seu papel social e político.

Para colmatar este desequilíbrio, são necessárias ações em várias frentes.

A transparência salarial, as políticas de equidade salarial e a mudança cultural são essenciais para reduzir as disparidades.

Existem, também, muitas ações concretas que as empresas podem tomar para as minimizar, uma vez que os indivíduos que ocupam cargos de decisão podem fazer a diferença pela sua sensibilidade em relação a esta questão. Esforços específicos para encorajar as mulheres a participar ativamente na política, tais como, quotas de género e programas de orientação, podem melhorar a representação feminina.

A revisão e o apoio a políticas e leis destinadas a combater a desigualdade entre homens e mulheres, incluindo a partilha equitativa das licenças parentais, uma oferta pública adequada de serviços de creche para os bebés e crianças e políticas empresariais adequadas em matéria de horários de trabalho flexíveis.

Tomar medidas concretas para garantir o bem-estar no local de trabalho, promoção do bem-estar e saúde mental, incluindo o equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada para todos, incluindo as mulheres. A promoção e a sensibilização para uma educação para a diversidade de género e o combate aos estereótipos de género desde a mais tenra idade são também essenciais para criar uma sociedade mais justa.

Os progressos só podem ser alcançados através de uma combinação de mudanças culturais, políticas e ações individuais. Num mundo em que a igualdade entre homens e mulheres é um objetivo crucial, é essencial que todos trabalhem em conjunto para ultrapassar estas desigualdades e que todos tenham os mesmos direitos e oportunidades.

No entanto, o mundo não está no bom caminho para alcançar a igualdade de género até 2030, e as consequências sociais e económicas da pandemia tornaram a situação ainda mais sombria. Os progressos em muitas áreas, incluindo o tempo despendido em cuidados não remunerados e trabalho doméstico, a tomada de decisões em matéria de saúde sexual e reprodutiva e a orçamentação sensível ao género, estão a ficar para trás. A violência contra as mulheres continua a ser endémica. São necessários um compromisso e uma ação corajosa para acelerar os progressos, nomeadamente através da promoção de leis, políticas, orçamentos e instituições que promovam a igualdade de género, integração da perspetiva do género em todas as outras políticas e ações específicas para a promoção das mulheres.

A este ritmo, seriam necessários mais 40 anos para que as mulheres e os homens estivessem representados em pé de igualdade nos parlamentos nacionais e demorariam 140 anos para atingir a igualdade de género na representação da liderança nos locais de trabalho.

O século XXI deve ser o século da igualdade das mulheres, todos devemos contribuir para este objetivo comum e promover uma sociedade mais justa, próspera e sustentável.