Entre o silêncio e a ação: a liderança que devolve esperança

Há histórias que não se contam apenas com palavras, contam-se com gestos, com escuta, com presença. A de Lúcia Alves é uma dessas. Enfermeira de formação, voluntária por vocação e presidente da direção da APAMCM (Associação Portuguesa de Apoio à Mulher com Cancro da Mama) por missão, lidera uma associação que há mais de duas décadas ilumina o caminho de milhares de mulheres que enfrentam o cancro da mama em Portugal.

 

Fundada em 1999 por profissionais de saúde voluntários, a APAMCM nasceu como resposta à ausência de apoio especializado na reabilitação pós-operatória. “Na época da sua fundação existiam poucos apoios. A associação foi ‘uma luz ao fundo do túnel’ para muitas pessoas — doentes e familiares”, recorda Lúcia. Hoje, a organização é referência nacional, oferecendo fisioterapia, consultas de psicologia e atividades lúdicas que devolvem às mulheres o que a doença tenta roubar: autonomia, bem-estar e esperança.

O toque que transforma

Lúcia começou como voluntária há cerca de 20 anos. O seu primeiro gesto foi criar uma consulta de enfermagem focada no ensino do autoexame mamário. “Referenciar ao médico era criar ansiedade na mulher, ainda que fosse só por precaução. Sabíamos que daquela consulta podia vir um diagnóstico assustador e isso marca”, confessa.

Desde então, multiplicou ações  de sensibilização em escolas, empresas e instituições, sempre com a mesma premissa: informar para transformar. A fisioterapia é uma das valências mais procuradas. O linfedema, complicação frequente após cirurgia, limita movimentos, causa dor e afeta a qualidade de vida. “O nosso objetivo é diminuir o edema, aumentar a amplitude de movimentos, combater aderências… tudo o que permita à mulher retomar as suas atividades diárias, sobretudo sem dor”, explica. Mas a APAMCM não cuida apenas do corpo. Cuida da mente, da alma e do vínculo social. “As consultas de psicologia são uma mais-valia para detetar e minimizar problemas de saúde mental que frequentemente ocorrem em situações oncológicas. E os eventos lúdicos ajudam a pessoa a entender que ‘não está só’ neste processo.”

Liderar com sensibilidade

A liderança da APAMCM sempre foi feminina não por estatuto, mas por essência. “Talvez porque o cancro da mama afeta mais as mulheres, elas sintam mais disponibilidade para integrar as listas de candidatura”, reflete Lúcia. E acrescenta: “Ser uma direção feminina pode ter uma maior sensibilidade para a causa, por entender melhor, por ‘sentir na pele’ os problemas da mulher com cancro da mama.” Essa sensibilidade não exclui a racionalidade. Pelo contrário, equilibra-a. “O trabalho é realizado com base no apoio emocional, psicológico e nas necessidades físicas dos utilizadores dos nossos serviços. Mas também temos de garantir sustentabilidade financeira, angariar fundos, gerir recursos e manter a excelência dos cuidados”, afirma.

A associação sobrevive graças à dedicação de funcionários, voluntários e patrocinadores. Eventos como a Corrida Sempre Mulher, almoços temáticos, passeios lúdicos e a consignação do IRS são algumas das estratégias de financiamento. “Os anos de confinamento trouxeram dificuldades acrescidas, mas conseguimos ultrapassá-las com resiliência e espírito de missão.”

Competências que sustentam o impacto

Lúcia acredita que liderar no terceiro setor exige mais do que técnica — exige humanidade. “É fundamental ter capacidade de resiliência, especialmente em tempos de crise, espírito de missão, assertividade, escuta ativa, pensamento crítico, trabalho de equipa e capacidade de reinvenção.” A comunicação institucional é, para si, uma aliada estratégica. “Promove a forma como a instituição é identificada pelos seus colaboradores, associados e pela sociedade em geral. É imprescindível para alcançar maior visibilidade na sociedade civil.” E essa visibilidade tem impacto. “Anualmente são diagnosticados cerca de 9000 casos de cancro da mama. Morrem cerca de 2000 mulheres. São números aterradores. Ainda que fossem 90 ou 20, são vidas que se perdem e famílias destruídas.”

A força da empatia

Para Lúcia, o papel das associações vai além do apoio direto. “Uma sociedade com muitas associações é uma sociedade mais próxima das pessoas e mais empenhada na resolução dos seus problemas. As associações devem ouvir, perceber as necessidades e defender os direitos dos utentes junto das instituições.” Essa escuta ativa é também o que define a liderança no feminino. “É valorizar o suporte emocional, a empatia, a escuta ativa em colaboração não só com a pessoa que necessita de apoio, mas também com os profissionais que cuidam da pessoa. É estabelecer prioridades de acordo com as necessidades reais para obter melhor cuidado, tratamento e transformação.” Transformação. Palavra-chave no percurso de quem enfrenta o cancro. “É impossível que uma mulher que passe por uma situação oncológica não fique sujeita a uma transformação interior. Apoiar sem paternalismos, oferecer apoio emocional e por vezes até material é uma forma de promover uma mais rápida recuperação e integração no seu ambiente socioprofissional.”

A mensagem que fica

No final da conversa, Lúcia deixa uma mensagem clara e comovente: “O diagnóstico de cancro da mama não é sinónimo de morte. Não tenham receio de pedir ajuda. Não se isolem. Na APAMCM há consulta de psicologia para apoio da pessoa com cancro de mama e para a sua família.” A sua liderança é feita de presença, de escuta e de ação. É feita de mãos que cuidam e de palavras que acolhem. É feita de coragem. E é essa coragem que inspira, transforma e constrói uma sociedade mais empática, informada e equitativa, uma sociedade onde liderar no feminino é, acima de tudo, liderar com o coração.