As suas conquistas não se prendem ao território nacional. Atualmente, é Reitora da Universidade Aberta, mas antes de chegar a esta posição cimeira, Carla Padrel de Oliveira já cruzou fronteiras, mostrando que ser mulher não a impede de chegar onde almeja.
Se hoje Carla Padrel de Oliveira está onde está, em parte agradece-o à professora do 9.º ano, Fátima Feytor Pinto, que a motivou a seguir a área da Química na faculdade, onde o seu percurso profissional começou a ser trilhado. Carla é muito grata a esta professora por ter despertado em si “a curiosidade e a vontade de descobrir e querer saber mais sobre os mistérios, a magia e as inúmeras potencialidades da Química, nomeadamente para compreendermos o planeta em que vivemos e a forma como podemos e devemos com ele interagir”.
Assim sendo, licenciou-se em Química, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, quando as instalações ainda eram na Rua da Escola Politécnica. No fim desta etapa, outro professor acabou por ser a catapulta para uma nova fase. A líder agradece por o professor Carlos Nieto de Castro, que descreve como sendo “inspirador, dinâmico e assertivo”, ter sempre acredito em si e a ter encorajado a “querer saber mais e a partir para longe de tudo o que lhe era familiar e confortável”. Posto isto, rumou ao Imperial College Of Science, Technology and Medicine, em Londres, onde obteve o Doutoramento em Engenharia Química. “Estamos a falar de 1987, altura em que Portugal tinha acabado de integrar a Comunidade Económica Europeia, pré Tratado de Maastricht, pré moeda única, não havia o programa Erasmus, não era comum ir estudar para o estrangeiro e os apoios financeiros eram praticamente inexistentes”, conta.
No âmbito de um projeto de investigação, obteve ainda uma bolsa do então National Enginnering Laboratory no valor de 5.000 libras por ano, além das propinas. Carla Padrel de Oliveira revela que “foram anos de múltiplas aprendizagens a nível científico, social, cultural e humano”.
Quando regressou ao país, Carla Padrel de Oliveira optou por trabalhar fora da Academia mas, passados dois anos, ingressou na Universidade Aberta. Curiosamente, enveredar pela área do ensino nunca constou na sua lista de sonhos.
“Sempre pensei trabalhar na Indústria, até porque o tema de doutoramento era justamente numa área mais industrial”
No entanto, e, mais uma vez influenciada por um professor, o seu orientador de doutoramento dizia-lhe que tinha mais vocação para o ensino. “E aqui estou, muito realizada!”, afirma a líder. Tem gosto por transmitir ensinamentos aos outros e, simultaneamente, de continuar a aprender e a descobrir os mistérios da Química, ainda que neste momento não o faça regularmente.
“É fundamental sabermos o nosso valor e ter confiança nas nossas capacidades”
Carla Padrel de Oliveira procura lecionar mais do que a teoria e a prática. Revela tentar “acima de tudo, despertar a curiosidade e a vontade de aprender, além do sentido crítico e de valores como o rigor, a ética e a cidadania responsável”.
Na Universidade Aberta, universidade pública de ensino a distância, os estudantes são essencialmente adultos com responsabilidades profissionais e familiares, que pretendem adquirir conhecimentos e competências que permitam progredir na carreira ou mesmo abraçar novos desafios. Neste contexto, nas áreas da sustentabilidade e desenvolvimento e, em particular, nos programas de estudo avançados, “tento sempre que estes estudantes despertem para novas realidades metodológicas e novas abordagens multi e transdisciplinares orientadas para a construção de um mundo melhor”, acrescenta.
Em 2019, foi eleita Reitora da Universidade Aberta de Portugal. Carla Padrel de Oliveira confessa que “não estava nos planos”, mas acabou por se revelar como “a opção natural” decorrente do seu percurso académico e profissional. Revela que, a partir do momento em que decidiu e assumiu a sua candidatura, “foi uma transição suave” entre cargos, até porque já havia desempenhado as funções de vice-reitora, durante alguns anos. Admite que, na realidade, aquilo que mais “custou e custa foi não conseguir continuar a lecionar de forma regular”.
Ao longo da sua jornada profissional, a Reitora já desempenhou várias funções, mas diz encarar todas elas “como os maiores desafios naquele momento”. Seguindo essa linha de raciocínio, a função atual é a que constitui o maior desafio, “em particular nestes tempos incertos e complexos que vivemos, e que nos obrigam a ser resilientes mas exigentes, criativos mas conscientes, solidários mas atentos e prudentes”, afirma.
“Sou, por natureza e também por educação e formação, uma pessoa que olha e vê o “outro” como um Ser Humano”
Contudo, reconhece que “não há que ser ingénuo ou negar o facto de vivermos num mundo onde há inúmeras bolhas e diferentes tipos de desigualdades (género, acesso à educação, à saúde, à dignidade humana, à liberdade de pensamento e de religião, entre muitas outras)”. As suas atuações transfronteiriças nas mais diversas áreas funcionam como barómetro das ações a desenvolver a nível pessoal e profissional, de forma a contribuir para a construção de uma sociedade e um mundo menos “estilhaçado”.
Diz não ser frequente, por ser mulher no cargo de Reitora, ter de provar constantemente o seu valor, mas não nega que “ainda acontece”. Ainda é uma realidade, e não apenas a sua. Reconhece que, por vezes, “há alguma condescendência, que é obviamente uma forma de discriminação”. Na opinião de Carla Padrel de Oliveira, “estas situações ainda se colocam em Portugal, mas são mais frequentes quando lidamos com outras culturas”. Durante toda a sua formação, e por força da sua área científica, acabou por trabalhar sempre em ambientes essencialmente masculinos que exigiram resiliência, compreensão da conjuntura e do contexto e flexibilidade. “É fundamental sabermos o nosso valor e ter confiança nas nossas capacidades”, enfatiza a reitora.
O panorama nacional não conhece muitas mulheres Reitoras. Neste momento, no Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, constam apenas cinco nomes femininos. “Claro que podíamos ser em maior número, mas relembro que, não há muito tempo, havia apenas uma mulher Reitora, que por acaso (ou não) era da Universidade Aberta – a Professora Maria José Ferro Tavares”, explica Carla Padrel de Oliveira. Acrescenta ainda que “é um caminho mais lento do que é desejável, mas é um caminho que se está a fazer”.