Devemos negociar o nosso mérito?

Manuela Doutel-Haghighi
MANUELA DOUTEL HAGHIGHI GLOBAL CUSTOMER SUCCESS ACCOUNT DIRECTOR E CO-LEAD WOMEN NETWORK PORTUGAL

Muito se tem falado sobre as disparidades salariais relativamente á questão de género, algumas vezes alargando essas diferenças em relação ás etnias mas raramente abordando o facto de que, no fundo, se tratam de questões sociais.

O conceito de salário nasceu no século  XIV com as nações-estado, e tornou-se predominante no século XIX quando o sistema capitalista se apercebeu que com salários, o poder de compra dos trabalhadores podia aumentar o consumo e assim fomentar o sistema.

O salário mínimo veio da preocupação pelos Direitos Humanos levando até á noção de salário digno, tal como consta na nossa Constituição: aquele que seja consistente com o esforço realizado, que seja equitativo entre aqueles que realizam o mesmo trabalho sem distinção de raça, sexo ou outras características, e que lhes permita viver com dignidade.

Assim sendo, porque existem diferenças salariais ou de promoção?

Estas ocorrem com frequência porque indivíduos com mais experiência de trabalho ou com empregos altamente qualificados ganham mais do que os indivíduos que têm pouca ou nenhuma habilitação profissional ou são novos no mercado de trabalho. Diferenças salariais são, portanto, generalizadas.

O que aumenta essas diferenças pode também ser as habilitações, a escolha da profissão, o sector e o tamanho de empresa.

Mas também, os níveis de trabalho e a boa (ou não) capacidade de negociação.

Enquanto que os homens ou as pessoas de níveis sociais mais altos tendem a negociar a sua posição e salário, as mulheres ou pessoas de outras origens tendem a fazê-lo com menos frequência e com menos auto-confiança.

E como cada novo empregador tende a perguntar sobre rendimentos anteriores, essas informações ajudam a perpetuar o fosso possivelmente já existente no nível seguinte.

E assim, a discriminação salarial acaba por ocorrer quando os indivíduos com as mesmas habilitações e experiência de trabalho e que realizam trabalhos semelhantes, são pagos de forma diferente.

Que soluções podemos então propor para evitar disparidades salariais?

  1. Revendo o mito da meritocracia

Muitas empresas convencem-se que são meritocráticas porque têm certos processos escritos que assim o descrevem, e que vão repetindo nas suas comunicações internas ou até campanhas de recrutamento, até se auto convencerem do mesmo.

Mas a grande maioria delas continuam a ter estruturas hierárquicas, e portanto competitivas,  (historicamente porque assim o eram as ordens militares), e portanto continuam a valorizar qualidades nos seus colaboradores que não são apenas o mero resultado do seu trabalho em qualidade ou quantidade.

As empresas conscientemente ou não procuram e promovem uma série de qualidades informais como a auto-confiança, a capacidade de argumentação, os relacionamentos, o apetite para o risco, a capacidade de vender ideias.

Se essas regras importam, então as regras do jogo devem ser transparentes para todos e todas.

  1. Sendo totalmente transparente no salários

Devem ser publicados ordenados e salários por parte de todas as empresas e até dentro dos ramos da indústria.

Deve-se proibir a pergunta “que salário pretende” nas entrevistas, já que a resposta tem muito a ver com a capacidade de auto valorização dos candidatos, que por sua vez vai depender do seu contexto de género, social, étnico etc

E já agora, também se deve rever o orçamento anual de compensação interno para assegurar que os que vêm de fora não ganham mais, para trabalho equivalente, do que os que têm sido leais á empresa.

  1. Partilhando critérios de seleção e promoção claros

Publicando em interno, com total transparência, os critérios de valorização e promoção dos colaboradores por profissão e por escalão.

Tendo painéis de avaliadores diversificados, competentes e neutros para as promoções, minimizando assim enviesamentos das chefias.

  1. Celebrando e envergonhando

Valorizando as empresas que publiquem anualmente os seus resultados com medidas concretas e transparentes relativamente a salários e promoções.

Expondo, e até multando, as que, pelo contrário, continuem a esconder ou a perpetuar essas diferenças.

Conclusão

Se as empresas se tornarem transparentes tanto para fora como para dentro com este tipo de medidas, então deixa de haver razão para alguém ter de negociar o seu mérito.