Conhecimento e a inovação tecnológica portuguesa colocado à prova no desenvolvimento sustentável das aquiculturas da Ilha da Madeira.
O nosso apetite por peixe está a superar os limites suportáveis pelo meio ambiente e tem impactos devastadores nos ecossistemas marinhos. Há algum tempo que os cientistas chamam a atenção para as consequências da sobrepesca, que têm causado alterações profundas e permanentes nos nossos oceanos.
Um relatório recente da WWF “Living Blue Planet Report” realça que “a atual situação das populações de peixes ameaça a segurança alimentar humana devido ao sério declínio em que estas se encontram por todo o mundo”. Em média, nas últimas quatro décadas, as populações de peixe reduziram para metade e algumas espécies chegam a apresentar um declínio de 75 por cento.
De acordo com o relatório anual da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) sobre o estado das pescas e da aquicultura no mundo, pela primeira vez em 2014, a produção aquícola mundial excedeu a obtida pelas capturas, atingindo 101,1 milhões de toneladas, o que representa 52% de toda a produção de peixe (195,7 milhões de toneladas). Mesmo perante estes factos, no que se refere à importância da produção aquícola na continuidade da espécie humana, a falta de literacia da sociedade civil relativamente ao tema, tem colocado o desenvolvimento desta atividade debaixo de um teto de forte contestação.
A Bluegrowth é uma empresa portuguesa, liderada no feminino, com o compromisso de apoiar o setor empresarial que integra a “Economia Azul”, na implementação de processos produtivos inteligentes e responsáveis para com sociedade e o meio ambiente. Esta empresa que esteve em destaque na edição de julho da Liderança no Feminino, é responsável pelo desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras, compreendendo a utilização de robótica, da sensorização inteligente e da computação avançada que procuram responder ao desafio de estimular a produção em aquicultura em equilíbrio com os mais elevados padrões de qualidade ambiental e responsabilidade social.
Fomos encontrar Custódia Rebocho na Ilha da Madeira, acompanhada da jornalista Mariana Degener Tomaz, duas gerações de mulheres empenhadas nos desafios da sustentabilidade que protagonizaram uma operação de gestão da qualidade ambiental, numa das aquiculturas da região autónoma que tem estado debaixo de forte contestação.
“Nos últimos meses temos acompanhado a contestação que tem afetado o desenvolvimento da aquicultura na Ilha da Madeira. As características hidrográficas e qualidade da água da Região Autónoma da Madeira oferecem condições ímpares para alavancar a Região Autónoma da Madeira num processo de diversificação económica assente na produção alimentar. No entanto, a falta de informação da sociedade civil relativamente a esta atividade económica, ameaça colocar em risco um passo determinante para a economia portuguesa que anualmente importa mais de mais de 300 mil toneladas de peixe este ano, o equivalente a 1.295.160 euros. Chegámos ao momento em que temos de optar: continuamos a importar peixe produzido em aquiculturas cuja qualidade nos deixa dúvidas ou aproveitamos o nosso mar, produzimos nós de forma sustentável, com os benefícios que daí advêm para todos nós?”. Para Custódia Rebocho, este foi o mote para lançar ao conselho de administração da empresa a proposta de instalar a primeira unidade do projeto “Ground Zero” na unidade de produção da Marismar na Ilha da Madeira. O projeto “Ground Zero” é um projeto financiado pelo Fundo Azul, gerido pela Direção Geral de Política do Mar, Ministério do Mar. Este projeto contempla o desenvolvimento de tecnologias de informação avançadas, destinadas a monitorizar os ecossistemas naturais e a controlar os processos produtivos de modo a mitigar os riscos e reduzir os impactos dos processos produtivos em aquicultura. Contempla também a implementação de quatro unidades piloto que compreendem a instalação de sondas, utilização de robótica subaquática e informação de atélite para a recolha de informação em tempo-real relativamente aos impactos produtivos sobre os ecossistemas naturais.
Motivados pela contestação popular e sobretudo pelo desafio em criar uma simbiose entre o Turismo e a Aquicultura, a Bluegrowth não hesitou em contactar a Marismar, oferecendo recursos humanos e tecnologias para endereçar um desafio vital para a Região Autónoma da Madeira e para Portugal. Para além de serem utilizadas as mais avançadas tecnologias para recolha de informação sensível relativamente à saúde dos ecossistemas, este projeto faz uso dos novos paradigmas de inteligência artificial com o objetivo de avaliar impactos.
Segundo o Diretor Executivo da Bluegrowth, Hugo Metelo Diogo: “O modelo de avaliação de impactos consiste numa aproximação multidimensional com objetivo fornecer suporte à decisão aos produtores em aquicultura, baseado na combinação de três tipos de avaliação: a avaliação dos impactos das aquiculturas sobre os ecossistemas naturais; a avaliação dos impactos e incertezas da natureza sobre as aquiculturas, nomeadamente, em matéria de condições meteorológicas e hidrológicas; e, finalmente, na avaliação dos impactos de outras atividades humanas sobre as aquiculturas e os ecossistemas naturais relacionados”. Para a equipa da Bluegrowth, uma produção aquícola só poderá ser sustentável se for inteligente. Hugo Metelo Diogo, acrescenta: “Contrariamente a outras atividades agropecuárias, a base empírica e os sentidos dos homens pouco valem para a tomada de decisão. Em aquícultura precisamos de tecnologias avançadas para nos ajudarem a compreender os ecossistemas e os impactos sobre estes. Trabalhamos com produtores responsáveis que procuram criar as melhores condições para a sua produção e para a envolvente. É preciso que se compreenda que os aquicultores são os primeiros interessados na qualidade ambiental das suas produções e da envolvente. Qualquer dano na natureza poderá representar perdas incalculáveis nos investimentos efetuados. O balanço entre os interesses económicos e os ambientais são uma obrigação em aquicultura. O nosso trabalho é ajudar os produtores que se preocupam com esses equilíbrios!”.
Mariana Degener Tomaz – a Jornalista do Canal 11 e pessoa fortemente empenhada nas questões da sustentabilidade ambiental, como a maior parte dos jovens da sua geração – integrou a equipa de trabalho da Bluegrowth, com o objetivo de se esclarecer sobre esta polémica atividade: “A qualidade da minha alimentação é a minha primeira prioridade. Hoje em dia, temos quase a obrigação de nos mantermos informados sobre a qualidade do que consumimos, a nossa saúde depende disso. Quando descobri que mais de 50% do peixe que consumo é produzido e não capturado, procurei informar-me sobre o tema. Rapidamente notei que havia muito ruído na opinião pública. Quis ver com os meus próprios olhos e nada melhor que integrar uma equipa que tem no seu foco a interpretação da qualidade ambiental desta atividade. Rapidamente entendi que o estigma que se coloca sobre a aquicultura reside em maus exemplos que nos chegam da China e do Vietname. No entanto, como Portugal é um país fortemente importador de pescado, se não tivermos a capacidade de produzir o peixe que comemos, ficaremos cada vez mais vulneráveis a produtos de má qualidade que entram no nosso mercado.”
Mariana foi mais longe e quis mergulhar no interior das jaulas, onde se produzem, anualmente, mais de 500 toneladas de Douradas: “Quando efetuei as minhas pesquisas, encontrei vários países onde o mergulho e pesca em aquicultura é tratado como produto turístico. Não hesitei e mergulhei nas águas cristalinas da Ilha da Madeira, rodeada de milhares de peixes. Foi fantástico! Uma experiência única. É impressionante como aqueles cardumes imensos interagem com os humanos.”
Mas as emoções não ficam por aqui, Mariana relata a visita de três tartarugas marinhas que vivem nas imediações das jaulas e por várias vezes vieram à superfície, curiosas com a atividade que a equipa da Bluegrowth estava a desenvolver no terreno. “É incrível a quantidade de peixes selvagem que vivem nas proximidades das jaulas. A existência desta biodiversidade só pode atestar a qualidade ambiental daquela produção, abrindo espaço para o desenvolvimento de produtos turísticos de elevado valor emocional”, acrescentou.
Custódia Rebocho, motivou a sua equipa a enfrentar este desafio pois acredita que “É determinante que a humanidade inverta a situação atual de sobre exploração dos oceanos, abraçando um novo paradigma de desenvolvimento sustentável, baseado na capacidade de cultivarmos o oceano ao invés de insistirmos na sua sobre-exploração.”
Custódia acredita que a aquicultura pode desempenhar um papel vital para o desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira e elogia a estratégia regional para esta temática: “Na Madeira encontramos uma atividade económica a ser desenvolvida em simbiose com o conhecimento científico. Há décadas que o Governo Regional investiu na produção de conhecimento para que hoje esta atividade possa emergir de forma responsável e consciente. A nós cumpre-nos a missão de continuar a investir em investigação e desenvolvimento tecnológico, para colocar ferramentas ao serviço das populações e dos produtores, no sentido de permitir o desenvolvimento sustentável da aquicultura em simbiose o turismo, conseguindo conjugar o melhor de dois mundos”. O desenvolvimento sustentável da aquicultura é determinante para aliviar a pressão sobre os stocks de peixes selvagens, ao mesmo tempo em que garantimos alimento para a crescente população mundial. As alterações climáticas e a pressão das atividades antropogénicas sobre os mares e oceanos têm colocado em stress os ecossistemas marinhos, condenando a saúde dos mares e oceanos, o que a curto prazo terá sérios impactos na qualidade de vida da humanidade.