Ansiedade no início do ano escolar

Tânia Gaspar Psicóloga, Professora Associada com Agregação Diretora do Serviço de Psicologia, Inovação e Conhecimento (SPIC) Universidade Lusófona Coordenadora Nacional e dos Países Mediterrâneos do Health Behaviour School-Aged Children/Organização Mundial de Saúde

A ansiedade nos primeiros dias de aulas acontece muitas vezes devido a vários fatores relacionados à incerteza e à mudança. Este tipo de ansiedade é uma experiência comum, quer para o aluno que esteja a começar um novo ciclo, a mudar para uma nova escola ou a regressar após uma pausa. A incerteza de novos ambientes, os rostos desconhecidos ou as expectativas académicas podem desencadear nervosismo.

A ansiedade é normalmente maior durante as transições escolares ou mudanças de escola, devido aos múltiplos desafios que os alunos enfrentam. No entanto, com o apoio certo das escolas, dos professores, colegas e pais, os alunos podem navegar essas transições de forma mais suave, reduzir o stresse e a ansiedade que experimentam e aproveitar as experiências, aprendizagens e relações positivas que o novo ano escolar pode trazer. A ansiedade no início do ano letivo pode ter diversos motivos ou resultar de uma interligação entre eles.

O medo do desconhecido ao iniciar um novo ano letivo traz incerteza sobre os professores, os colegas e a carga horária, o que pode levar ao nervosismo, ao medo e à ansiedade social, uma vez que para muitos alunos, a escola é um ambiente altamente social. A pressão para fazer amigos, integrar-se ou reconectar-se com os colegas após uma pausa pode desencadear ansiedade, especialmente para aqueles alunos que são naturalmente mais tímidos ou introvertidos. A ansiedade de separação, especialmente para os alunos mais novos, ou mesmo os mais velhos em novas situações e o estar longe dos pais ou de ambientes familiares podem ser situações stressantes. Isto é particularmente comum nos primeiros anos escolares ou na transição para uma nova escola.

As mudanças na rotina, na transição da liberdade das férias de verão para o horário escolar estruturado podem ser difíceis de gerir, tais como, adaptar- se a acordar cedo, fazer os trabalhos de casa e seguir uma rotina definida pode causar stress.

A pressão académica, também pode contribuir para a ansiedade, uma vez que, por um lado, o início de um ano letivo muitas vezes vem acompanhado da preocupação com o desempenho académico e a pressão para o sucesso, com as novas disciplinas, as notas e a gestão das expectativas dos professores. Por outro lado, se um aluno teve experiências negativas na escola no passado, relacionadas com questões de bullying, lutas, insucesso escolar ou questões sociais, essas memórias podem ressurgir, aumentando a ansiedade no início de um novo ano.

Estes e outros fatores criam uma tempestade perfeita de stresse, mas uma vez que os alunos se acomodam com o ambiente e a rotina escolar, a ansiedade normalmente diminui. No entanto, se persistir no tempo, aumentar de intensidade e começar a ter um impacto significativo no funcionamento escolar e familiar pode ser necessário procurar apoio profissional.

A ansiedade nos primeiros dias de aulas é sempre “má”?

A ansiedade nos primeiros dias de aulas não é necessariamente “má” podendo ser uma resposta natural e comum a novas situações. Na verdade, um certo nível de ansiedade pode ser útil porque sinaliza ao cérebro que algo importante está a acontecer, levando-o a preparar-se e a ficar alerta. A ansiedade leve e a curto prazo é normal ou até mesmo útil. Sentir-se um pouco nervoso antes da escola pode ser motivador, pode ajudar a manter o foco, a estar mais pronto para reagir, a planear com antecedência e a estar mais alerta em novas situações.

A ansiedade pode tornar-se um problema quando é uma situação persistente ou intensa. Nos casos em que a ansiedade não diminui após os primeiros dias ou se torna esmagadora, esta pode interferir na capacidade de concentração, de fazer amigos oude aproveitamento/envolvimento escolar. Algumas crianças apresentam sintomas físicos, como dores de cabeça, dores de estômago, tonturas ou dificuldade em dormir. Podem também revelar comportamentos de evitamento, como tentar evitar situações escolares ou sociais, faltar às aulas ou afastar-se dos outros.

Para evitar que a ansiedade seja prejudicial existem diversas formas de a prevenir
e/ou gerir:

1. Literacia emocional, reconhecer as emoções e os sentimentos. Não há problema de se sentir ansioso. Reconhecer as emoções ajuda o aluno a lidar com elas de forma mais eficaz. Ajuda saber que não está sozinho e que muitos alunos se sentem da mesma forma, mesmo que não o mostrem;
2. Preparar com antecedência, familiarizar-se com a escola, o horário e onde são as aulas. Saber o que esperar pode reduzir a ansiedade;
3. Estabelecer uma rotina. Criar uma rotina matinal previsível pode ajudar a começar o dia com calma. Fazer a mala, arrumar roupas e planear as coisas na noite anterior para evitar correrias;
4. Praticar técnicas de relaxamento, tais como: exercícios de respiração profunda, atenção plena ou visualização podem ajudar a tranquilizar e recuperar a calma quando o estudante está ansioso;
5. Estabelecer pequenas metas. Definir metas alcançáveis para os primeiros dias e dividir o dia em tarefas pequenas ou parcelares torna-o menos cansativo;
6. Procurar apoio social. Se a ansiedade for excessiva, é importante falar com alguém, seja um amigo, um pai/mãe, um professor ou um psicólogo. Partilhar os sentimentos muitas vezes ajuda;
7. Manter pensamento positivo, concentrar-se nos aspetos positivos da escola, como voltar a estar com os amigos, aprender coisas novas ou quaisquer atividades extracurriculares agradáveis.

Qual o papel dos pais na ansiedade do início das aulas?

Os pais desempenham um papel crucial para ajudar os filhos a gerir a ansiedade nos primeiros dias de escola. Em primeiro lugar, identificar e gerir a sua própria ansiedade, uma vez que também para os pais este pode ser um período desafiante de volta à rotina e de aumento de responsabilidades profissionais e parentais. Por este motivo é importante os pais modelarem um comportamento calmo e confiante, visto que as crianças muitas vezes captam as emoções dos pais. Se os pais mostrarem confiança e calma, é mais provável que os filhos se sintam tranquilos.

O passo seguinte fundamental é estar disponível para ouvir e ajudar os filhos na preparação para o início do ano letivo. Assim será importante os pais incentivarem a comunicação aberta, empática e segura, ouvirem e reconhecerem sentimentos. Outro passo será preparem-se juntos. Os pais podem ajudar os filhos a criar uma rotina matinal consistente, organizar o que for possível na noite anterior, familiarizarem-se com a rotina escolar e contacto inicial com a escola e com os professores responsáveis.
Para prevenir, podem preparar estratégias de gestão de ansiedade relacionadas com o relaxamento, respiração profunda, visualização ou mindfulness. Exemplo: “Se te sentires nervoso, respire fundo e imagine um lugar feliz”;

Para a gestão dos primeiros tempos, os pais podem ajudar na socialização dos filhos, organizando encontros ou brincadeiras com os colegas, promovendo atividades lúdicas, desportivas, entre outras. Além da comunicação e supervisão, manter o contacto com o professor responsável ajuda a compreender como está a decorrer a adaptação e a criar uma maior proximidade e facilidade de comunicação com a escola. Ao oferecer apoio, incentivo e ferramentas práticas consistentes, os pais podem ajudar a facilitar a transição e tornar o início do ano letivo menos stressante para os filhos.

Qual o papel dos professores e da escola na ansiedade do início das aulas?

Os professores e as escolas desempenham um papel vital para ajudar os alunos a gerir a ansiedade durante os primeiros dias de aulas. Ao criar um ambiente acolhedor e solidário, os educadores podem reduzir o stresse e promover uma transição mais suave. Neste sentido, salientamos algumas estratégias que os professores e as escolas podem implementar para ajudar os alunos ansiosos: (1) Criar um ambiente acolhedor; (2) Comunicar claramente (rotinas, normas, expectativa, etc.); (3) Incentivar a rotina e a previsibilidade; (4) Promover suporte e oportunidades para relações sociais, como atividades lúdicas e colaborativas; (5) Identificar e apoiar estudantes mais ansiosos; (6) Promover competências de gestão de ansiedade; (7) Aumentar progressivamente a dificuldade/complexidade académica; (8) Promover e facilitar a comunicação com os pais; (9) Incentivar o apoio entre pares através de, por exemplo, a inclusão de estudantes mais velhos ou que já estejam há mais tempo na escola para acolherem e acompanharem os novos alunos; (10) Disponibilizar um ambiente escolar seguro, flexível e compreensivo; (11) Articular com o psicólogo da escola; os professores podem encaminhar os alunos quando necessário e colaborar com os psicólogos para criar estratégias individualizadas para alunos particularmente ansiosos.

A pressão académica pode contribuir para a ansiedade do início de ano lectivo?

A ansiedade nos primeiros dias de aulas pode ser intensificada pela pressão para alcançar o sucesso escolar. Muitos alunos sentem o peso das elevadas expectativas de si próprios, dos pais ou dos professores, o que pode tornar o início do ano letivo ainda mais stressante.

A que está relacionada a ansiedade que se associa com a pressão académica
excessiva?

Por um lado, ao medo do fracasso. Os alunos muitas vezes preocupam-se com o insucesso escolar e com a reprovação, o que gera ansiedade em relação aos testes, às notas ou aos trabalhos escolares. O início de um novo ano letivo pode aumentar estes receios, uma vez que os alunos enfrentam novos desafios e expectativas mais elevadas. Por outro lado, alguns estudantes são excessivamente perfecionistas e estabelecem padrões excessivamente altos para si mesmos, sentindo que qualquer coisa menos do que um desempenho perfeito é inaceitável. Esta atitude aumenta o stresse desde o primeiro dia de aulas, devido ao medo de não atingirem esses padrões. A comparação com os pares também pode alimentar a ansiedade. Ver os colegas terem sucesso ou parecerem mais confiantes pode fazer com que os alunos se sintam inadequados, especialmente no início do ano letivo. As expectativas e a pressão para o desempenho por parte dos pais e dos professores podem contribuir para o aumento da ansiedade. Quando os alunos percebem que o seu valor está ligado às notas, essa ansiedade pode ser avassaladora. Também a carga de trabalho pesada e a pressão nos momentos de avaliação, especialmente os tradicionais testes escritos, são fatores que têm impacto ao nível da ansiedade. Os alunos podem sentir-se sobrecarregados com os trabalhos e testes de várias disciplinas, as atividades extracurriculares e os trabalhos de casa, especialmente se estiverem a entrar num nível de ensino com mais responsabilidades para o prosseguimento de estudos.

Ansiedade nos primeiros dias de entrada na universidade

A ansiedade durante os primeiros dias de universidade é comum, especialmente porque os estudantes enfrentam mudanças significativas nas suas vidas académicas e pessoais. A entrada na universidade envolve, muitas vezes, novas responsabilidades, ambientes desconhecidos e expectativas elevadas, o que pode contribuir para sentimentos de ansiedade. Assim, podem ser identificados diversos aspetos que causam ansiedade no ingresso na universidade, tais como:

1. Maior independência, responsabilidade acrescida e novas rotinas: Para muitos estudantes, a universidade é a primeira vez que vivem longe de casa e gerem os seus próprios horários, as suas finanças e a sua vida quotidiana. O aumento súbito da independência pode ser avassalador e causar ansiedade, já que os alunos devem equilibrar suas responsabilidades académicas, sociais e pessoais sem o apoio imediato da família. Os alunos podem reduzir a ansiedade estabelecendo gradualmente rotinas, gerindo o seu tempo de forma eficaz e procurando apoio quando necessário, seja de pares ou serviços de aconselhamento e apoio ao aluno;

2. Maior pressão académica e expectativas académicas mais altas: A universidade muitas vezes vem com maior pressão académica, com os alunos a enfrentar cursos mais desafiantes, cargas de trabalho mais pesadas e uma maior necessidade de autogestão no seu processo de aprendizagem. O medo de não corresponder a essas expectativas, especialmente em ambientes competitivos, pode desencadear ansiedade. Os alunos devem priorizar bons hábitos de estudo, procurar ajuda de professores ou tutores quando necessário e dividir as tarefas em etapas faseadas e gerenciáveis. Também é importante manter expectativas realistas sobre o período de ajustamento durante o primeiro ano.

3. Medo de falhar ou ter um desempenho insuficiente. Muitos estudantes entram na universidade com um sentimento de que o seu sucesso futuro depende do seu desempenho, adicionando uma pressão significativa para um bom desempenho desde o início. Este medo do fracasso pode levar a um aumento da ansiedade, particularmente durante as semanas iniciais.

4. Ansiedade social e fazer novos amigos. A Universidade normalmente significa deixar para trás amigos e círculos sociais. A pressão para fazer novos amigos e integrar-se em novos grupos sociais pode levar à ansiedade social. Para estudantes introvertidos ou em ambientes culturais desconhecidos, essa ansiedade pode ser ainda mais pronunciada. Os alunos podem dar pequenos passos para conhecer pessoas, seja através de eventos de orientação, participação em clubes ou em atividades em grupo. Construir uma rede de apoio leva tempo, por isso é importante ser paciente e aberto a novas experiências.

5. Separação da família e das redes de apoio. Por vezes os alunos que estão longe de casa pela primeira vez podem experienciar sentimentos de saudade e solidão. Isso pode intensificar-se nas primeiras semanas, especialmente se os alunos se estiverem a adaptar a uma cidade ou a um país totalmente novos. É importante manter-se conectado com a família e com velhos amigos através de uma comunicação regular, uma vez que são fontes de apoio emocional. Com o tempo, estabelecer novas rotinas e amizades ajuda a aliviar a saudade.

7. Preocupações financeiras e gestão financeira: Para muitos estudantes, é na entrada para a universidade que são, pela primeira vez, responsáveis pela gestão do seu próprio dinheiro. Equilibrar mensalidades, livros, aluguer e despesas pessoais pode levar ao stresse financeiro, especialmente se os alunos se sentirem inseguros sobre sua literacia financeira ou perspetivas futuras de emprego.

Ansiedade e expectativas no final da formação universitária

Nunca tivemos uma geração tão qualificada, nunca tivemos uma geração tão global que pode ter experiências de estudar e trabalhar no estrangeiro. No entanto, as expectativas positivas face ao futuro e à saúde mental têm diminuído nos últimos anos (dados do Estudo Health Behaviour School-Aged Children/Organização Mundial de Saúde e do Estudo Ambientes de Aprendizagem e Trabalho Saudáveis). Sabemos que as expectativas futuras positivas e a saúde mental, nomeadamente, a capacidade de estabelecer relações interpessoais positivas e empáticas, de manter o funcionamento (i.e., desenvolver e aplicar competências cognitivas e técnicas, fazer escolhas saudáveis, trabalhar e estudar), a capacidade de lidar com os acontecimentos de vida e acontecimento excecionais (i.e., lidar com stress, adaptar-se à mudança, tomar decisões complexas e compreender e lidar com as emoções) e de ter um sentido na vida e bem estar individual e coletivo são fundamentais para contribuir para resultados mais positivos e para um desenvolvimento com mais saúde, bem-estar e oportunidades.

No estudo Ambientes de Aprendizagem e Trabalho Saudáveis são avaliadas as expectativas futuras dos jovens universitários e conclui-se que cerca de metade dos jovens entre os 18 e os 25 anos tem uma expectativa positiva e otimista em relação ao seu futuro e à sua capacidade de autonomia e independência e que a restante metade tem uma perceção menos positiva.