ANA ALTURAS, PSICÓLOGA: “OS TEMPOS QUE SE AVIZINHAM NÃO SERÃO FÁCEIS PARA QUALQUER UM DE NÓS”

ANA ALTURAS, PSICÓLOGA

Frequentemente apelidadas de “parente pobre” da saúde, a psicologia e a psiquiatria têm estado no centro das atenções face ao impacto que a pandemia da covid-19 está a gerar na saúde mental da população. Em Portugal há muito que são reclamados mais recursos e meios por parte dos agentes envolvidos que diariamente lutam contra o estigma que ainda prevalece sobre aqueles que necessitam de ajuda.

Um ano dentro da pandemia da covid-19 e com a esperança, aportada pela distribuição das vacinas, de que a vida pode voltar à normalidade num futuro próximo, as atenções viram-se para a saúde mental e para as consequências menos visíveis provocadas por meses de distanciamento social, confinamento, teletrabalho ou escola através de plataformas digitais. Ana Alturas, psicóloga, Diretora Clínica do Gabinete Psicologia e membro da Ordem, assume que os tempos que se avizinham “não serão fáceis”, atendendo ao estado “fatigado” da população, que lida com preocupações “acrescidas e muitas dificuldades, tanto a nível socioeconómico como psicológico”.

Não é por isso de estranhar que, na visão da profissional, sejam precisamente estes dois grupos – pessoas com níveis socioeconómicos mais debilitados e pessoas que já se encontravam afetadas psicologicamente (com ansiedade, depressão, entre outros) – os mais prejudicados pelo momento que estamos a atravessar. Da mesma forma, as crianças e jovens, remetidos para o ensino à distância em contexto doméstico, viram-se privadas da socialização essencial ao processo de desenvolvimento de qualquer ser humano. Segundo Ana Alturas “para além do impacto atual e imediato”, que se reflete nos níveis de aprendizagem, há mais competências afetadas. Simultaneamente, os danos da pandemia podem também ser preocupante para os jovens que sofrem de doenças do foro mental e do desenvolvimento devido ao menor acompanhamento que as circunstâncias atuais promovem.
A presença de profissionais da área da psicologia nas escolas tem sido uma questão recorrente nos últimos anos face à crescente atenção dada ao assunto e à importância da gestão emocional, do autocontrolo, da empatia, da capacidade de resiliência – todos essenciais nestes contextos.

Para a população adulta, em teletrabalho há cerca de um ano, a condição obrigou ao desenvolvimento de novas competências, assim como um processo de adaptação por parte de todos os envolvidos – empresas e trabalhadores. “A realidade de trabalhar a partir de casa exige disciplina e muitas das vezes coordenação entre casais e alteração das rotinas familiares, o que acaba por ser exigente, levar a momentos de exaustão e, em casos extremos, a situações de burnout que têm levado à crescente procura de apoio profissional”, caracteriza a psicóloga.

Do conjunto de recomendações que diariamente dá aos seus pacientes para melhor lidarem com a situação, Ana Alturas destaca a importância de “separar o espaço de trabalho do espaço de lazer, criar rotinas, criar um espaço de trabalho organizado, realizar exercício físico, sem descuidar das atividades de lazer e de autocuidado, assim como manter os contactos sociais ativos, mesmo que adaptados por videochamada”.

Com o prolongar da pandemia e dos cuidados exigidos para travar a propagação do novo coronavírus, a expressão “cansaço pandémico” tornou-se recorrente nos media, como forma de dar voz à saturação da população e até justificando alguns incumprimentos das medidas sanitárias impostas. Enquanto profissional da área da psicologia, Ana Alturas concorda com o seu uso, reforçando que “as pessoas têm acusado o cansaço”. “Começam a ser vários meses de fadiga acumulada… verificaram-se várias alterações no nosso quotidiano, a realidade como a conhecíamos mudou em muitos aspetos e, mesmo que se possa pensar que são alterações temporárias, a verdade é que se torna difícil prever um fim”, reflete.

Mas a verdade é que o regresso à normalidade vai, eventualmente, acontecer, mas nem todos vão encara-lo da mesma forma. Se, por um lado, há quem anseie pelos “contactos sociais, pelos afetos, pelo recuperar do tempo perdido e da rotina, por outro lado, há quem tenha visto a sua saúde mental deteriorada e outras problemáticas da vida – como a perda de empregos – agudizadas.

Como tal, será o momento ideal para Portugal encarar aquele que há muito é tido como o “parente pobre” da saúde não só em Portugal, mas no mundo: a saúde mental. Segundo Ana Alturas, ainda hoje existe um “preconceito relativamente a quem necessita de recorrer aos serviços de psicologias e de psiquiatria e também na questão da valoração em termos económicos”.

Simultaneamente, o “investimento feito não é suficiente para as necessidades” existentes. A pandemia veio, por isso, por em causa a capacidade do país em dar resposta a uma crise que poderá ser o último capítulo da pandemia.

Na opinião de Ana Alturas, o país reúne condições para enfrentar uma “situação de crise generalizada no que diz respeito à saúde mental”, no entanto, a psicóloga considera que não tem havido disponibilidade de todos os recursos para reabilitar a saúde mental, aquela que será a “base para uma sociedade capaz de enfrentar” uma situação desafiante como a que vivemos.