Com uma inquietação transformadora e uma visão estratégica sobre o poder da comunicação, Ana Luísa Ferreira chegou à AMI determinada a fazer a diferença. Hoje, como Administradora e Diretora de Imagem e Comunicação, é uma das vozes por trás da missão humanitária da organização, dando-lhe rosto, narrativa e impacto.
A AMI é uma organização não-governamental portuguesa com atuação nacional e internacional. Quando iniciou a sua intervenção em Portugal, em 1994, já contava com uma década de existência, presença consolidada em todos os PALOP, ações em diversos continentes e uma missão pioneira em cenário de guerra na Jordânia. “A intervenção em Portugal acabou por ser um passo natural de uma instituição que tem o Ser Humano no centro das suas preocupações”, afirma Ana Luísa Ferreira, sublinhando o espírito humanista que sempre guiou a organização.
Perante as necessidades sociais emergentes na Europa e em Portugal após a queda do Muro de Berlim, tornou–se evidente a urgência de atuar na área social, com o objetivo de combater a pobreza e a exclusão. “Considerou–se fundamental intervir na área social com o objetivo de contribuir para reduzir a pobreza e a exclusão social, e assim nasceu o primeiro Centro Porta Amiga.” Atualmente, a AMI conta com nove Centros Porta Amiga espalhados pelo país (incluindo ilhas), um Centro de Acolhimento Temporário, duas Equipas de Rua e um Serviço de Apoio Domiciliário.
Quando questionada sobre como definiria o percurso da AMI, Ana Luísa Ferreira não hesita: “Se tivesse que escolher uma palavra para descrever o crescimento e a evolução da AMI até aos dias de hoje, seria ‘disruptiva’.” Embora reconheça que o termo é frequentemente usado de forma leviana, considera que “caracteriza a AMI, que, muitas vezes, foi pioneira, rompendo alguns padrões ao longo do seu percurso.
Essa natureza disruptiva manifesta-se em vários momentos marcantes da história da organização: “Assim foi quando, estando já estabelecida como uma organização de atuação em Cooperação para o Desenvolvimento e Ação Humanitária, decidiu intervir também em Portugal, na área da ação social; quando implementou o primeiro Projeto Internacional em Parceria com Organizações Locais em 1989; quando lançou o projeto de reciclagem de radiografias em 1996; quando foi a primeira ONG do mundo a entrar com ajuda humanitária em Timor-Leste em 1999; quando, apesar do seu core business ser a Ajuda Humanitária, decidiu em 2004 criar um departamento dedicado a projetos ambientais.”
E, claro, não se pode contar esta história sem reconhecer a visão do fundador e presidente da AMI, o médico Fernando Nobre. “Sem conhecer praticamente ninguém no país à época, teve a coragem de criar a AMI em 1984, replicando a experiência que acumulara nos Médicos sem Fronteiras”, conclui Ana Luísa Ferreira, destacando o papel visionário que esteve na origem da organização.
No atual contexto social e económico, a AMI enfrenta desafios significativos, comuns a muitas organizações da Economia Social. “Penso que todas partilham uma dificuldade comum, que é a escassez de financiamento”, afirma Ana Luísa Ferreira, sublinhando o impacto direto da crise económica na sustentabilidade das instituições. A situação torna-se ainda mais delicada quando se considera o perfil dos principais doadores da AMI:
“Os nossos doadores pertencem maioritariamente à classe média, que é também uma das franjas da população mais afetada pelo aumento do custo de vida, e isso, naturalmente, reflete-se na diminuição de donativos”
Consciente desta realidade, a AMI adotou uma estratégia de diversificação financeira desde cedo. “Percebemos que teríamos que diversificar as nossas fontes de financiamento para evitar ficar dependentes de um único financiador, o que colocaria em risco a nossa ação independente e, consequentemente, o apoio a milhares de pessoas em Portugal e em vários outros países do mundo”, explica Ana Luísa Ferreira, reforçando o compromisso da organização com a autonomia e a continuidade da sua missão.
No plano internacional, os desafios são igualmente complexos, especialmente no âmbito da Ação Humanitária. “A insegurança crescente em cenários de conflito é uma preocupação constante. Os trabalhadores humanitários passaram a ser um alvo e as convenções de Genebra deixaram há muito de ser respeitadas”, alerta Ana Luísa Ferreira, evidenciando os riscos que hoje envolvem o trabalho humanitário em zonas de guerra e instabilidade.
Sustentabilidade em Ação: Projetos que Transformam
A visão estratégica da AMI tem sido, desde a sua fundação, orientada para a construção de um futuro mais justo, inclusivo e sustentável. “A AMI nasceu precisamente com esse objetivo e a sua Missão reflete esse propósito”, afirma Ana Luísa Ferreira.
Ao longo de quatro décadas, a organização acompanhou as transformações do país e do mundo, ajustando-se às novas realidades. “Crescemos com o país e com o mundo, aprendemos, evoluímos e procurámos sempre fazer melhor”, acrescenta.
Num tempo em que o setor humanitário seguia uma lógica predominantemente assistencialista, a AMI rompeu com esse paradigma. “Compreendemos que não bastava levar voluntários expatriados para apoiar as populações locais. Era fundamental envolvê-las no processo”, explica Ana Luísa Ferreira, referindo-se ao primeiro projeto internacional em parceria com organizações locais, lançado em 1989.
A preocupação com a sustentabilidade ambiental também se tornou parte integrante da estratégia da AMI. Em 1996, a organização lançou o projeto de reciclagem de radiografias, que alia a angariação de fundos à proteção ambiental. “Acreditamos que não se pode dissociar a saúde do ambiente e um futuro melhor para as gerações atuais e futuras de um planeta mais sustentável”, sublinha Ana Luísa Ferreira, justificando a criação, em 2004, de um departamento dedicado exclusivamente a projetos ambientais.
Mais recentemente, em 2017, a AMI lançou o projeto Change The World, uma rede de alojamentos a preços justos, cujas receitas revertem integralmente para os seus projetos. “É uma forma inovadora de gerar impacto social e ambiental, sem depender exclusivamente de donativos”, destaca.
Desde 1984, a AMI tem procurado concretizar a sua missão através de ações concretas em Portugal e no mundo. “Em 40 anos, desenvolvemos centenas de missões humanitárias em 82 países, apoiando mais de 7 milhões de pessoas. E ao longo de 30 anos de apoio social em Portugal, já acompanhámos mais de 80.000 pessoas”, conclui Ana Luísa Ferreira, reafirmando o compromisso da organização com um futuro mais equitativo e sustentável.
O compromisso da AMI com a sustentabilidade e a inclusão social é visível em múltiplas frentes, abrangendo as dimensões ambiental, económica e social. “A atuação da AMI reflete-se nas diferentes vertentes da sustentabilidade”, afirma Ana Luísa Ferreira, destacando a preocupação constante da organização em manter a sua independência. “Já referi a importância de assegurar a nossa sustentabilidade e independência financeira, de forma a não comprometer a nossa Missão. Por isso, apostamos na diversificação de financiamentos.”
No plano ambiental, a AMI tem vindo a implementar projetos concretos que promovem a preservação do planeta. “Promovemos projetos de reflorestação em Portugal, recolha de resíduos para reciclagem e reutilização, como radiografias e óleos alimentares usados, e incentivamos boas práticas ambientais como a reciclagem de roupa e papel”, explica Ana Luísa Ferreira.
A aposta em energia solar em algumas infraestruturas da organização é mais um exemplo do alinhamento com soluções sustentáveis. Além disso, destaca-se o projeto de educação ambiental NOPLANETB, que visa sensibilizar e capacitar comunidades para práticas mais responsáveis. No campo da inclusão social, a AMI continua a reforçara sua presença através de equipamentos e respostas sociais espalhados pelo país. “Os nossos centros desenvolvem um trabalho extraordinário de apoio à população vulnerável, com o objetivo de promover a sua reintegração social”, sublinha Ana Luísa Ferreira, evidenciando o impacto direto das ações da AMI na vida de milhares de pessoas. Gerir equipas multidisciplinares em contextos de elevada exigência emocional, como zonas de crise ou catástrofes, é um dos maiores desafios enfrentados pela AMI. “A gestão de pessoas é um grande desafio, em qualquer instituição, seja qual for o contexto”, reconhece Ana Luísa Ferreira, sublinhando a complexidade acrescida quando se trata de ambientes instáveis e emocionalmente exigentes. Para garantir o bom funcionamento das equipas, a AMI aposta numa estrutura sólida e humana. “É fundamental definir procedimentos claros, planos de contingência, mas também promover um ambiente de compreensão, confiança na instituição, transparência, solidariedade e empatia”, explica. A segurança emocional das equipas é uma prioridade, mesmo quando o cenário externo é tudo menos seguro. “É preciso que as equipas se sintam seguras, mesmo que o contexto não o seja”, afirma Ana Luísa Ferreira, destacando a importância de criar uma rede de apoio interna que permita aos profissionais enfrentar os desafios com resiliência e coesão.
Na AMI, a liderança feminina não é apenas uma realidade estatística — é uma força transformadora. “72% dos nossos 231 funcionários são mulheres e 76% das posições de liderança são ocupadas por mulheres”, afirma Ana Luísa Ferreira, sublinhando que “o impacto é inegavelmente positivo”. Esta representatividade traduz-se numa maior diversidade de perspetivas, numa sensibilidade acrescida na abordagem de temas complexos e num reforço claro da igualdade de género.
“A presença de mulheres em lugares de liderança na área humanitária, sobretudo em contexto de crise, permite desenhar respostas mais adequadas às necessidades de mulheres e meninas”, explica, alertando para o risco de estas populações serem ignoradas ou incorretamente apoiadas quando não há uma representação equitativa. Ainda assim, Ana Luísa Ferreira reforça que o sucesso da missão da AMI não depende apenas do género, mas da colaboração entre todos. “É um trabalho de equipa contínuo e, por isso, a colaboração entre todos, seja qual for o género, é o que permite que a Missão se concretize.”
Como Administradora da AMI, Ana Luísa Ferreira tem uma visão clara e determinada para enfrentar as crises sociais mais urgentes da atualidade, da pobreza às migrações forçadas, passando pelas alterações climáticas. “A nossa prioridade é manter a aposta numa intervenção multidisciplinar, com respostas adequadas às necessidades de cada pessoa”, afirma, reforçando o compromisso da AMI com uma abordagem centrada no ser humano. Além da ação direta, Ana Luísa Ferreira destaca a importância de valores que sustentam a missão da organização: “Promover e defender princípios de tolerância, acolhimento e integração.” Mas para que essa missão tenha impacto duradouro, é essencial envolver a sociedade como um todo. “Fomentar um envolvimento cada vez maior da sociedade civil na procura de soluções é fundamental. Precisamos de contribuir para uma mudança de paradigma, no sentido de reconhecer que as pequenas melhorias que se produzem na sociedade beneficiam todos os que dela fazem parte e não apenas os beneficiários diretos da ação.”
Com uma sensibilidade aguçada para as fragilidades humanas, Ana Luísa Ferreira sublinha a importância de reconhecer a linha ténue entre quem ajuda e quem precisa de ajuda. “Seria importante que todos tivéssemos a perceção de que a fronteira entre ajudar e ser ajudado é extremamente ténue. E a vantagem de se trabalhar numa organização da Economia Social é que temos mais facilmente a perceção dessa fragilidade.” Para Ana Luísa Ferreira, esse contacto diário com a realidade é transformador: “Todos os dias somos obrigados — e ainda bem — a sair da bolha em que possamos viver e da qual, cada vez mais, as pessoas têm dificuldade em sair, porque é difícil encarar algo que nos incomoda, que nos deixa desconfortável.” Ana Luísa Ferreira não tem dúvidas: “A pobreza e a vulnerabilidade incomodam, mas uma sociedade civil participativa, informada e interessada incomoda muito mais.” E é precisamente esse desconforto que deve ser enfrentado com coragem. “Para encontrar soluções, é preciso olhar as dificuldades de frente e não ignorá-las. Com humildade, determinação e coragem.” Para Ana Luísa Ferreira, a liderança feminina tem um impacto profundo e transformador na forma como as organizações humanitárias comunicam e mobilizam recursos junto da sociedade. “Ao longo de quase 20 anos na AMI, tive a oportunidade de conhecer algumas mulheres extraordinárias que, em contextos muito difíceis, eram verdadeiros motores da sua comunidade e agentes de mudança”, recorda. Essas mulheres não apenas enfrentavam adversidades, mas também inspiravam e mobilizavam. “Aproximavam e envolviam as comunidades e inspiravam outros elementos da comunidade a fazer parte da solução.”
Segundo Ana Luísa Ferreira, essa capacidade de gerar envolvimento está intimamente ligada ao estilo de liderança feminino.
“Acredito que a liderança feminina promove uma comunicação mais empática, de maior proximidade, e que isso poderá fomentar um maior envolvimento da sociedade.”
Para Ana Luísa Ferreira, essa abordagem mais humana e relacional é essencial para criar pontes, despertar consciências e atrair apoios que sustentem a missão das organizações humanitárias. Para Ana Luísa Ferreira, liderar no setor humanitário exige resiliência, paciência e uma profunda convicção no propósito. Quando questionada sobre que conselhos daria a jovens mulheres que aspiram a liderar organizações humanitárias ou a desempenhar papéis de destaque na resposta a crises sociais, a sua resposta é honesta e encorajadora: “Diria que o percurso não é fácil, que será importante saber lidar com a frustração, aceitar que os resultados não são imediatos e que a mudança tarda, por vezes, demasiado, mas acaba por chegar.”
Com quase duas décadas de experiência na AMI, Ana Luísa Ferreira sabe que o impacto real leva tempo e exige perseverança. O seu conselho é um convite à persistência, à coragem e à confiança de que, mesmo diante dos obstáculos, o trabalho humanitário transforma vidas e também transforma quem o faz. Para Ana Luísa Ferreira, o futuro da liderança feminina no setor humanitário ainda está por construir e exige mudanças estruturais.
“Em 2024, um estudo da Global Women Leaders Voices revelou que, desde 1945, apenas 13% dos líderes das organizações internacionais foram mulheres, e a maioria, incluindo a ONU, nunca teve uma liderança feminina”
Este dado revela uma realidade persistente: “Ainda há, por isso, um longo caminho a percorrer para que as mulheres estejam justamente representadas em lugares de liderança em geral e, em particular, no setor humanitário.” Mas Ana Luísa Ferreira acredita que essa tendência pode e deve ser invertida. “Espero que nos próximos anos possamos ver mais mulheres a liderar organizações humanitárias, nacionais e internacionais.”
Para Ana Luísa Ferreira, uma representação mais justa não é apenas uma questão de equidade, mas uma oportunidade de transformação. “Contribuirá, não só para fortalecer a igualdade de género, para um maior empoderamento feminino, para uma maior inclusão de mulheres a tomar decisões que as impactam diretamente, mas também para inspirar meninas e mulheres a acreditar que podem ser tudo o que quiserem.”
E deixa uma mensagem clara: o trabalho que tantas mulheres já fazem todos os dias para tornar o mundo um pouco melhor merece ser reconhecido e valorizado nos lugares onde se decide. “Esse trabalho pode e deve ser feito em lugares de liderança.”