“As mulheres em cargos de chefia em Portugal recebem em média menos 9.000 Euros do que homens segundo dados do Ministério do Trabalho.”
Por Sandra Gomes Pinto, advogada.
Entrou recentemente em vigor uma nova lei sobre igualdade salarial em Portugal. Esta lei em termos materiais, ou seja, no que diz respeito ao direito propriamente dito das mulheres serem tratadas em termos salariais sem qualquer discriminação não traz nada de novo. Na verdade, já há muito a constituição e a lei laboral consagravam o princípio da igualdade e que o trabalho igual deve corresponder obrigatoriamente a um salário igual, independentemente do género. De qualquer maneira, este direito de igualdade salarial formalmente consagrado está muito afastado da realidade dos factos, uma vez que as mulheres continuam a ganhar muito menos do que os homens, mesmo com o mesmo tipo trabalho, e isso é transversal a todas as faixas etárias, classes sociais e níveis de escolaridade. Um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre “igualdade de género ao longo da vida” constata isso mesmo: as mulheres são discriminadas e ganham menos ao longo da vida, sendo que a discriminação ainda é mais acentuada nas mulheres com maior escolaridade. Isto não deixa de ser paradoxal numa sociedade em que as mulheres trabalham arduamente há várias gerações, muitas vezes fora de casa, e há muito um grupo significativo de mulheres que são educadas no pressuposto de que é fundamental ter uma carreira e que em nada são inferiores aos homens. Relembro – e certamente muitas das leitoras terão memórias parecidas – a minha avó materna que já tinha em solteira tinha um pequeno negócio de representação de máquinas de costura, tendo tido outros negócios mais tarde e que sempre incentivou fervorosamente as filhas e as netas a estudarem. Com estes exemplos e estando as mulheres portuguesas há tanto tempo e em tão grande número no mercado de trabalho não deixa de ser difícil perceber e aceitar este atraso na questão da discriminação salarial das mulheres. Neste contexto, é com bons olhos que vemos esta Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, a qual aprova medidas de promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor e que cria alguns instrumentos para corrigir esta desigualdade salarial, sendo que nos termos da qual passa a ser exigido que:
» As empresas tenham uma política remuneratória transparente assente em critérios objetivos em matéria de remuneração assente na avaliação das componentes das funções, com base em critérios objetivos, comuns a homens e mulheres, nos termos do artigo 31.º do Código do Trabalho;
» A ACT (Autoridade para as condições de trabalho) passa a ter poderes para notificar as empresas cujos balanços evidenciem diferenças remuneratórias para apresentarem planos de avaliação;
» A entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres é competente para a emissão de parecer sobre a existência de discriminação remuneratória em razão do sexo por trabalho igual ou de igual valor, a requerimento do trabalhador ou de representante sindical;
» Perante um trabalhador que se queixe de discriminação presume-se que o mesmo tem razão se a empresa não tiver uma política remuneratória transparente, ou seja nesse caso é a empresa que tem que ter a tarefa de provar que não discriminou.
Estes instrumentos são úteis, mas só o tempo dirá o seu nível de eficácia. Uma coisa é certa, a primeira etapa para a resolução deste problema de desigualdade salarial, passa por ter consciência que em Portugal é um problema sério, que perpassa todas as idades e classes sociais e até é mais grave dos executivos e nesse sentido o já mencionado artigo da Fundação Francisco Manuel dos Santos é elucidativo.
Também em termos mundiais a situação não é brilhante, um estudo recente denominado “Women in the Workplace 2018 ” feito pela Mckinsey & Company em parceria com a LeanIn.Org conclui de apesar de as mulheres terem progredido nos estudos e na permanência do mundo laboral, ainda enfrentam discriminação de tratamento e tem muito mais dificuldade em aceder a posições de “management”. Sendo que essa discriminação surge logo nas primeiras contratações e nas promoções, as empresas têm que ter como prioridade combater esta desigualdade, o que deve ser feito logo nos primeiros anos de carreira. Ainda de acordo com este estudo as mulheres sofrem, para além do assédio e de serem muitas vezes as únicas em posições superiores, uma discriminação no dia-a- dia. Esta discriminação passa por vezes por comportamentos subtis como, por exemplo, assumirem que as mulheres têm uma posição mais júnior, demorarem mais tempo a reconhecer o valor e a competência de uma mulher ou as piadas de que são alvo. Sendo certo que estes pequenos atos, uns mais conscientes do que outros, são sinais claros de desrespeito e de discriminação e minam a progressão das mulheres.
A este propósito não posso deixar de mencionar alguns exemplos recentes, mas muito reais, como o de uma amiga minha, que acompanha administrações de empresas de topo e que depois de uma apresentação, a qual foi unanimemente considerada excelente, lhe foi dito publicamente que “todas as suas apresentações seriam sempre muito boas porque ela era muito sexy”. Noutra ocasião, estava numa reunião com o administrador de uma empresa para discutir um caso de arbitragem importante e foi-me transmitido pelo departamento jurídico que tinham total confiança no meu trabalho, mas era
necessário levar um homem para a reunião por uma questão de credibilidade perante os administradores e assim fiz: levei um colega, que entrou mudo e saiu calado. Os exemplos caricatos e quase inverosímeis até de mulheres que dificultam a vida umas as outras podiam-se multiplicar…
Mas uma coisa é certa, diversos estudos demonstram que maior igualdade de género nas empresas e maior inclusão em geral tem um impacto direto na melhoria dos seus resultados financeiros. Da mesma forma que a falta dessa igualdade e inclusão também afeta negativamente as empresas do ponto de vista financeiro. Num perspetiva global, um estudo da Mckinsey & Company concluiu que se as empresas e países avançassem na igualdade de género isso poderia significar um aumento de 12 triliões de dólares no produto interno bruto em termos mundiais, sendo que tanto os países desenvolvidos como os subdesenvolvidos beneficiariam se se evoluísse no sentido de aproveitar o potencial e o talento das mulheres. A este propósito são muitos elucidativos os estudos da Mckinsey & Company, entre os quais: “Delivery trough diversity” e “How advancing women´s equality can add 12 trillions to global growth ”. Aliás, o que pode ser feito. As empresas têm a agora a tarefa de implementar uma politica salarial transparente e de fazer reports para conhecerem bem a sua própria realidade interna, de forma a puderem agir sobre a mesma e implementar a lei que agora entrou em vigor. Para além disso, as empresas devem intencionalmente: garantir a contratação e promoção das mulheres em fases iniciais de carreira; criar uma cultura de inclusão e respeito, garantir o acesso das mulheres a posições de “management”, promover formas de trabalho mais flexíveis que ajudem a compatibilizar a vida laboral com a vida familiar; combater ativamente as pequenas discriminações do dia-a-dia e o assédio. Finalizando, considero que todos nós podemos e devemos fazer o nosso papel, o qual passa pela educação dos nossos filhos e filhas, pelo apoio às colegas, pela nosso desenvolvimento pessoal e profissional para um melhor desenvolvimento das nossas carreiras, pelo repúdio assertivo dos atos de discriminação do dia-a-dia e pela promoção consciente de uma cultura inclusiva.
Termino com uma pergunta: e a leitora, o que considera que poderia ser feito por uma maior igualdade das mulheres no mundo do trabalho?