“Empresas que não se orientam pela preservação dos recursos naturais, redução das emissões de carbono na atmosfera e pela contratação de colaboradores sem barreiras de gênero, cor ou credo religioso, poderão ter vida curta.”
A SUA EDUCAÇÃO ACADÊMICA FOCOU-SE NO DIREITO E NO JORNALISMO. COMO SURGIU O INTERESSE PELA ILUMINAÇÃO E ARQUITETURA?
Meu primeiro curso universitário foi o de Direito. Em seguida, estudei Economia Cooperativa na École Pratique des Hautes Études – PSL -, fundada na Sorbonne em 1868 e reconhecida como um dos ”grands établis- sements“ da França, onde se desenvolvem pesquisas em Ciências da Terra e da Vida. Como acreditava que a criação de cooperativas agrárias ajudaria na emancipação dos trabalhadores do campo, sobretudo em Pernambuco – Estado açucareiro onde nasci -, decidi aprofundar-me no tema. O Brasil já vivia então sob a terrível ditadura instalada pelo golpe militar de 1964. Mesmo assim, avancei com meus planos e parti. Em 1972, quando regressei, a situação ainda era mais repressiva e, é claro, não havia trabalho para mim. Um antigo professor, que era diretor do Instituto Nacional de Reforma Agrária – nome maldito na época – ofereceu-me uma oportunidade, mas logo compreendi que a ditadura seria longa- foram 21 anos – e desliguei-me do órgão.
Como sempre gostei de escrever, decidi que o jornalismo poderia ser outra opção para lutar contra o estado de coisas que vivíamos no país. Matriculei-me então no curso de jornalismo na Universidade Nacional de Brasília. Poucos meses depois fui contratada por um jornal local, o Correio Braziliense, como “Foca” – denominação dada aos principiantes no jornalismo -, e iniciei minha carreira na cobertura política. Durante duas décadas praticamente vivi dentro do Congresso, acompanhando – como repórter política – as atividades da Câmara dos Deputados e do Senado. Fui uma observadora privilegiada – e mesmo participante – dessa fase tenebrosa da vida brasileira. Cobri seus grandes acontecimentos, desde meados da ditadura até a redemocratização do país, que culminou com o restabelecimento das eleições diretas, da amnistia política, do fim da censura, da liberdade de imprensa e a eleição da Assembleia Nacional Constituinte, que nos legou uma Carta democrática.
Participei, então, com grande alegria, da cobertura jornalística completa do retorno da democracia entre nós, brasileiros e brasileiras. Trabalhei em grandes jornais, como O Globo, o Estado de São Paulo – o Estadão – e na revista Fatos – do Grupo Manchete – sob a batuta do grande jornalista, cronista e escritor Carlos Heitor Cony, com quem muito aprendi. Fui colunista em diversos outros e em programas de televisão. No “Jornal da Bahia” e no ” Estado do Paraná”, devo ter sido a primeira mulher no jornalismo brasileiro a escrever diariamente uma coluna sobre política. Infelizmente, vicissitudes da vida afastaram-me do jornalismo naquele momento.
Minha ligação com o mundo da iluminação aconteceu por acaso, logo depois. Surgiu uma oportunidade de negócio com uma empresa do setor e meu irmão, Marco Caetano, que era engenheiro, e eu nos associamos ao empreendimento, que já existia desde 1974, no Rio de Janeiro. Com o dono da empresa, Nils Ericsson, – famoso lighting designer-, fui discípula aplicada. Em 1990, construímos uma nova fábrica no Recife, dando início ao processo que resultaria numa futura joint-venture com o grupo português Exporlux, quando passamos a nos chamar Light Desig+Exporlux. Infelizmente, meu irmão morreu antes da sua consolidação e encontrei-me praticamente sozinha à frente do negócio, com a ajuda apenas do meu filho, Manoel Caetano, que tinha 16 anos e se tornou um grande gestor. Mas minha alma continuou jornalista e, muito anos mais tarde, quando já havia instalado a Light Design em Portugal, voltei a ser colunista política de um grande site brasileiro, o “Diário do Poder”, do qual desliguei-me recentemente.
EM 2006, A LIGHT DESIGN INSTALOU-SE EM PORTUGAL. PORQUE É QUE ESCOLHEU LISBOA PARA FAZER A EXPANSÃO FORA DO BRASIL?
No final de 2001, a Light Design foi contratada para fazer o projeto de iluminação da Chancelaria de Portugal em Brasília e da residência do Embaixador, que na época era Antônio Franco e que se tornou muito próximo de mim. Como ele ficou muito satisfeito com o resultado do nosso trabalho, passou a nos incentivar a abrir uma sucursal em Lisboa. Como a empresa já estava com 30 anos no mercado, julgamos procedente a sugestão e oportuno iniciar sua internacionalização. A decisão foi oficializada em janeiro de 2005 e, em junho de 2009, inauguramos o primeiro showroom da empresa em Lisboa, na LX Factory.
Outros fatores também influenciaram nossa decisão. Amamos Portugal e o fato dele ser uma porta de entrada para o resto da Europa – o que seria ótimo para o negócio – foi uma motivação acrescida. Temos fortes ligações com o país. Nosso avô materno era do Norte e, atualmente, todos nós, irmãos, filhos e netos, possuímos cidadania portuguesa. Desde que abrimos as portas em Lisboa, vivo na cidade, que adoro, onde possuo muitos amigos e sou feliz. A família ficou um pouco dividida. Meu filho Manoel Caetano, diretor da empresa, vive em Brasília e, minha filha, Marcella Caetano, mora em Cascais, de onde cuida das artes e das redes sociais do Grupo. Por isso estamos sempre nos aviões, de um lado para outro.
A ILUMINAÇÃO PODE MUDAR POR COMPLETO UM LOCAL? QUE IMPORTÂNCIA TEM NUM ESPAÇO OU EVENTO?
A iluminação pode fazer isso e muito mais. Suas potencialidades são infinitas. Contudo, sua principal importância é a influência que exerce sobre os seres vivos e o meio ambiente. Portanto, só deve ser manejada por quem a conhece, ama, domina e a entende muito bem, sob pena de causar prejuízos aos demais. A questão é tão importante que, recentemente, a RTP 2 convidou-me a escrever o roteiro para um documentário – O Elogio da Luz – para demonstrar como ela se comporta nos espaços e que deverá ser lançado até o final do ano. Dividida em cinco episódios, a série demonstra o que a iluminação pode fazer – de positivo e de negativo – nos locais de trabalho, escolas, museus, residências, jardins e no meio ambiente. O roteiro original incluía os hospitais, onde não conseguimos filmar devido à pandemia. É inegável a influência da iluminação no nosso estado de espírito. Ela também pode nos fazer mais ou menos felizes.
EM 2019, CRIARAM UM SHOWROOM COMPLETAMENTE DIGITAL, QUE OFERECE UMA EXPERIÊNCIA DE REALIDADE AUMENTADA. COMO SURGIU A IDEIA?
Antes mesmo de construirmos o primeiro showroom em Lisboa, percebemos que nossa forma de trabalhar era completamente diferente do que se fazia em Portugal, e que seria necessário criar ambientes e atmosferas para apresentar nossos estudos e projetos.
Desde o início da empresa, em 1974, seus showrooms foram montados reproduzindo os ambientes de uma casa, jardins e de um escritório, para que os clientes pudessem percorrê-los e perceber o que estávamos propondo. Enquanto aqui, o normal era os comerciais distribuírem catálogos nos escritórios de arquitetura e seus profissionais escolherem as luminárias mais em função do seu design do que do seu resultado. E, como era óbvio, os comerciais não possuíam formação para irem além. Dessa forma, decidimos fazer o mesmo em Portugal. Construímos um showroom onde instalamos os equipamentos de forma a que pudéssemos acendê-los, separadamente, um a um, enquanto explicávamos a razão de terem sido especificados para uma ou outra posição. Assim conseguíamos transmitir com mais objetividade nossas ideias e propostas. Era uma novidade e, pouco a pouco, fomos conquistando o mercado.
Foi um primeiro passo, mas continuamos evoluindo em direção a uma metodologia capaz de transformar a apresentação dos nossos projetos numa experiência com a luz, transportando as pessoas do abstrato para o concreto das suas futuras residências, jardins, escritórios e demais edificações. Em 2019, – já no nosso segundo showroom, em Algés -, decidimos montar um laboratório para exibir as potencialidades da luz, suas cores, reflexos, efeitos, ângulos e subtilezas. Para nós, o produto importa pouco. O fundamental é o seu efeito. Daí, não termos compromissos com equipamentos de qualquer marca, inclusive da nossa e sim com àqueles que produzem os resultados que desejamos. Em seguida, os profissionais e clientes sentam-se em outra sala onde assistem a vídeos com seus projetos prontos, que também podem ser observados através de óculos 3D e outras ferramentas virtuais. Nesse momento ainda não é necessário apresentar-lhes plantas, as quais, é claro, desenvolvemos, mas o leigo percebe muito mais através através de imagens do que de esquemas que lhes são estranhos desenhados numa folha de papel.
A DESIGN + EXPORLUX AFIRMA QUE SE PREOCUPA COM A SUSTENTABILIDADE E O MEIO AMBIENTE. QUE MEDIDAS TÊM EM PRÁTICA PARA CONTRIBUIR PARA UMA ILUMINAÇÃO SUSTENTÁVEL?
Ativos sustentáveis são empresas comprometidas com o fenômeno já bastante conhecido pelas três letras ESG em inglês, ou ASG em português – Ambiental, Social e Governança. É claro que todas as empresas buscam o lucro, mas algumas poderão não ter vida longa se não se pautarem pela preservação dos bens naturais, redução das emissões de carbono na atmosfera e pela contratação de colaboradores sem barreira de género, cor ou religião. A Light Design de Pernambuco foi a primeira indústria a empregar um rapaz com síndrome de Down, o Breno. Ficou anos depois, connosco. Era alegre, divertido e travesso. Aprontava imenso. Os funcionários o adotaram com surpresa e afetividade. Até acho que passaram a olhar-me com mais consideração devido à sua contratação. Infelizmente, morreu jovem devido a problemas cardíacos. Temos colaboradores de diversas orientações. No intervalo do almoço, na fábrica do Recife, é comum vermos determinados grupos religiosos reunirem-se para suas práticas.
É claro que, enquanto lighting designers, a sustentabilidade está em nossos corações e mentes, orientando projetos. E não só, pois sou imensamente preocupada com a questão ambiental. Como referi anteriormente, o objetivo do documentário que escrevi foi demonstrar a influência da luz sobre os seres vivos e o meio ambiente. Um dos episódios é inteiramente dedicado aos malefícios da poluição luminosa, que não somente comprometem a vida humana e animal, como provocam gastos energéticos desnecessários. Levamos essa preocupação a sério. Muitos desses problemas podem ser reduzidos com bons projetos de iluminação e sistemas automatizados de controle da luz, que permitam seu uso racionalizado.
É DIRETORA DA EMPRESA HÁ MAIS DE TRÊS DÉCADAS. QUE BALANÇO FAZ DA SUA CARREIRA ATÉ AQUI?
Esforço-me para estar à altura das minhas responsabilidades. Mas também acredito que o sucesso e a importância de uma empresa dependem de seus bons colaboradores, que se sintam respeitados, prestigiados, seguros e com possibilidade de ascensão profis-sional. Caso contrário não passaríamos de uma sigla comercial. Embora tenhamos começado como uma empresa familiar – meu irmão Marco e eu – o fato de pertencer à nossa família não é passaporte para participar do negócio. Rejeitamos esse tipo de critério que muitos defendem como um ”mérito”. As condicionantes para ingressar na Light Design são outras. Consideramos indispensável investir na formação dos colaboradores. Em nossa fábrica do Recife há alguns que começaram no serviço de limpeza e, com nosso apoio, cursaram faculdades, chegando ao mestrado e, atualmente, chefiam departamentos na empresa. Há diversos casos como esses. Talvez por isso uma das características da Light Design seja sua baixa rotatividade de trabalhadores.
QUAL FOI O MAIOR DESAFIO DA SUA CARREIRA E COMO CONSEGUIU ULTRAPASSÁ-LO?
Sou movida a desafios, e foram tantos que não saberia indicar nenhum em especial.
SENDO UMA MULHER NUM CARGO DE LIDERANÇA, ALGUMA VEZ SENTIU QUE FOI TRATADA DE FORMA DIFERENTE POR SER MULHER?
Cresci numa família de homens, com pai forte, determinado e austero – Manoel Caetano, que foi o primeiro neurocirurgião do Brasil – e três irmãos. Da minha mãe – Maria Luiza – herdei doçura e feminilidade. Cedo aprendi a defender-me de suas investidas “machistas e discriminatórias”, se é que assim posso classificar as atitudes infantis dos meus irmãos e primos. Por exemplo, quando a brincadeira era entre índios e cowboys e eles queriam que eu fosse a índia, recusava e exigia ser a bandida armada com revólveres de madeira em cima do cavalo. Se o jogo era futebol, e eles me mandavam para a rede receber chutes, pedia para ser atacante. É claro que tive de ceder algumas vezes e trocar de po- sição, mas eles me respeitavam, até porque eu jogava bem. Assim entendo a vida. Temos de jogar corretamente. Nunca me deixei discriminar. Se alguém tenta fazê-lo, eu o ponho no seu seu lugar. E posso até dizer que alguns homens tiveram medo de mim. Mas nem por isso deixei de me relacionar com homens adoráveis e com boa cabeça, tendo sido muito feliz com um deles em Portugal.
DESDE O INÍCIO DE 2020 QUE AS EMPRESAS LUTAM DIARIAMENTE CONTRA AS CONSEQUÊNCIAS DA PANDEMIA. DE QUE FORMA O COVID-19 AFETOU A LIGHT DESIGN?
No início da pandemia, tanto no Brasil como Portugal, enfrentamos as dificuldades decorrentes do lock down, com nossos colaboradores em teletrabalho, com auxílio de aplicativos que não conseguem transmitir muito bem as subtilezas da iluminação. Por essa razão, perdemos projetos e nosso faturamento sofreu redução. Mas não demitimos ninguém. Contudo, o fato de muitas pessoas estarem confinadas nas suas residências – naturalmente as que possuíam condições materiais para isso – produziu nelas um desejo de renovar seus ambientes, reformá-los e até de construir novas casas para saírem de apartamentos. Dessa forma, no Brasil, aos poucos, os clientes foram retornando e os trabalhos retomando níveis pré-pandêmicos. O mesmo se passou com a Light Design de Portugal.
Mas é importante destacar que a situação pandêmica no Brasil foi e tem sido terrivelmente pior. Procuramos fazer o que a ciência manda, apesar dos inúmeros obstáculos criados pelo capitão Bolsonaro, com sua entourage de negacionistas analfabetos, incompetentes e oportunistas. Na medida do possível, pois entendemos que a ciência não tem lado, – ou é bem ou é mal feita -, adotamos procedimentos por ela re- comendados para evitar o alastramento dessa terrível pandemia que já ceifou a vida de quase meio milhão de brasileiros.
O problema é que, embora internamente adotemos protocolos científicos, como o uso de máscaras, tele- trabalho, distanciamento social e higienização constante, parte desse esforço tem sido comprometido porque os trabalhadores, fora da empresa, enfrentam situações adversas. Os transportes públicos trafegam com superlotação, enquanto o capitão Bolsonaro atua em favor da disseminação do vírus, contra o distanciamento social – já promoveu 82 aglomerações -, hostiliza quem usa máscaras, desvaloriza a pandemia chamando-a de “gripezinha” e defende tratamentos precoces com medicamentos comprovadamente ineficazes. Além disso, no início do segundo semestre do ano passado, recusou comprar as vacinas oferecidas pelas farmacêuticas e que poderiam ter salvado a vida de milhares de pessoas. Em Portugal, a situação tem sido e é diferente, onde o governo é de outra natureza e olha com compaixão para sua população. No geral, a Light Design está regressando à normalidade.
QUE PLANOS A LIGHT DESIGN TEM PARA O FUTURO? PRETENDE SE EXPANDIR PARA MAIS PAÍSES, POR EXEMPLO?
Atualmente, a Light Design+Exporlux continua expandindo-se no Brasil, com seu enorme mercado consumidor. O país tem uma população de cerca de 213 milhões de habitantes. Ainda há muito espaço para crescer. Também olhamos para os vizinhos da América Latina, e planejamos chegar lá. Por outro lado, a Light Design de Portugal tem realizado projetos em diversos países da Europa, África e no Oriente Médio. Possuímos uma equipe de lighting designers experiente e capacitada para continuar a alargar nossa atuação. Mas esta- mos sempre abertos a novos negócios.