A endometriose é uma doença inflamatória crónica que se caracteriza pela presença de tecido semelhante ao endométrio (a camada de células que reveste a cavidade uterina) fora do útero.
Estas lesões podem ocorrer em várias localizações, nomeadamente na pélvis, nos ovários, bexiga, intestino e reto, mas podem também surgir em órgãos fora da pélvis, embora raramente, como no cérebro, os pulmões ou em cicatrizes da parede abdominal, por exemplo. Da mesma forma que o endométrio sofre alterações durante o ciclo menstrual em resposta às variações hormonais, também as lesões de endometriose são afetadas por estas alterações, em especial pelos estrogénios, ocorrendo assim o seu crescimento e hemorragia cíclica. Este ambiente resulta em inflamação local e dor, podendo comprometer diversos locais, originando a formação de tecido cicatricial e aderências.
Devido às dificuldades no diagnóstico, a exata prevalência da endometriose é desconhecida. Estima-se, no entanto, que esta condição afete aproximadamente 10% das mulheres em idade reprodutiva e até 50% das mulheres com infertilidade. Atualmente, serão afetadas por esta doença cerca de 350 mil mulheres em Portugal. A incidência de endometriose é mais elevada na faixa etária entre os 26 e os 35 anos. No entanto, segundo diversos estudos europeus, existe ainda um atraso de cerca de 8 a 12 anos entre o início dos sintomas e o seu diagnóstico. Recentemente, foi realizado numa parceria entre a Gedeon Richter Portugal, a Sociedade Portuguesa de Ginecologia e a MulherEndo (Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose), a nível nacional, um estudo sobre a jornada da mulher portuguesa com endometriose, que veio corroborar este atraso. De acordo com o estudo VivEndo, decorreram cerca de 4 anos, em média, entre o aparecimento dos primeiros sintomas e a ida a uma primeira consulta e mais 4 anos entre esta consulta e o seu diagnóstico. A idade média de aparecimento dos primeiros sintomas neste grupo de mulheres foi de 20 anos e cada mulher consultou, em média, três profissionais de saúde antes do diagnóstico. Existem várias razões apontadas para este atraso no diagnóstico, nomeadamente a presença de sintomas não específicos apenas para esta doença, isto é, existem outras patologias com sintomas que se sobrepõe aos da endometriose e que podem causar erros no seu diagnóstico. Outro fator é a normalização dos sintomas, muitas vezes banalizados e ignorados pela própria, por familiares e mesmo pelos prestadores de cuidados de saúde, que pode contribuir para este atraso. A falta de sensibilização entre os profissionais de saúde e a população em geral pode perpetuar o desconhecimento, a estigmatização e os seus efeitos negativos na vida da mulher.
Mas qual a causa da endometriose? Existem várias teorias que tentam explicar os mecanismos fisiopatológicos desta doença, no entanto a causa definitiva é desconhecida e é provável que tenha múltiplos fatores. Uma das teorias melhor aceites é a da menstruação retrógrada, na qual se explica que, durante a menstruação, o tecido endometrial possa refluir para as trompas de Falópio e para a cavidade pélvica. No entanto, este processo ocorre em 90% das mulheres e só em algumas é que o tecido endometrial refluído forma lesões endometrióticas, o que sugere que outros fatores também desempenhem um papel importante na sua etiologia.
A endometriose é também frequentemente associada a uma diversidade de sintomas, que podem variar ao longo do tempo e de mulher para mulher. São eles a dor menstrual cíclica (dismenorreia), a dor pélvica crónica não cíclica, a dor durante as relações sexuais, a dor a urinar ou a defecar, entre outros. A fadiga, a ansiedade e a depressão são também sintomas observados em mulheres com endometriose, resultado, muitas vezes, do sofrimento que a dor lhes provoca. A gravidade dos sintomas oscila de leve a debilitante, não parecendo existir à partida uma relação linear entre a intensidade dos sintomas e a dimensão das lesões. Cerca de um terço das mulheres com endometriose também apresenta infertilidade.
Atendendo aos diversos sintomas apresentados, uns de carácter cíclico e outros persistentes, facilmente se percebe que a endometriose pode ter um efeito negativo significativo no bem-estar físico, mental e social. Existem vários estudos que demonstram o impacto importante desta doença em diferentes áreas da vida da mulher. No bem-estar físico, com necessidade de consumo de medicamentos para alívio da dor, no relacionamento com o parceiro e familiares, na vida sexual, atividades sociais, atividade profissional e escolar, são exemplos das diversas áreas impactadas. No estudo português VivEndo, este impacto foi também questionado, com o psicológico e a vida sexual a revelarem-se os domínios mais afetados na vida das mulheres com endometriose. Finalmente, e não menos importante, a endometriose está associada a uma sobrecarga económica significativa, não só para a doente, como também para a sociedade, consequência dos gastos diretos nos cuidados de saúde e custos indiretos pela perda de produtividade e absentismo laboral.
O diagnóstico precoce da endometriose é fundamental para minimizar a sua interferência na qualidade de vida e na fertilidade. A história clínica e o exame físico são fundamentais para o diagnóstico. Os sinais e sintomas, cíclicos e não cíclicos, acima descritos poderão fazer suspeitar da presença desta doença. A ecografia transvaginal, cada vez mais evoluída neste campo, e a ressonância magnética podem identificar alguns tipos de lesões de endometriose. O diagnóstico com base nestes métodos pode ser suficiente para se iniciar um tratamento. Enquanto, há alguns anos, a cirurgia, habitualmente por laparoscopia, com visualização direta das lesões de endometriose, era considerada o gold standard para o diagnóstico, atualmente ela pode e deve ser reservada para uma outra fase no ciclo evolutivo da doença, preconizando-se o início precoce do tratamento médico empírico. A laparoscopia é recomendada em doentes com imagiologia negativa e/ou quando o tratamento médico não é bem sucedido.
Atualmente, não existe cura para a endometriose. Os objetivos do tratamento são, por isso, o controlo dos sintomas com alívio da dor, a melhoria da qualidade de vida, a evicção de cirurgias repetidas, a remoção do tecido de endometriose, a fertilidade e a redução da probabilidade de recorrência da doença. A estratégia terapêutica deve ser pensada num contexto de longo prazo, ter em conta o tipo e gravidade da endometriose e refletir as necessidades da doente, que podem mudar ao longo do tempo e da evolução da doença, nomeadamente a sua idade, preferências e desejo de fertilidade. Existem diferentes tipos de tratamento disponíveis para o controlo dos sintomas, nomeadamente o tratamento médico, cirúrgico, não-farmacológico e a procriação medicamente assistida nas situações de infertilidade. Entre as opções de tratamento médico existem os analgésicos (por exemplo, os anti-inflamatórios não esteroides) que, isoladamente, têm pouca eficácia, e os tratamentos hormonais com contracetivos hormonais combinados, progestativos isolados, agonistas e antagonistas da hormona libertadora das gonadotrofinas ou inibidores da aromatase. Uma vez que as terapêuticas hormonais suprimem a ovulação, não são adequadas para tratar a infertilidade associada à endometriose. O tratamento cirúrgico pode consistir na remoção das lesões de endometriose (cirurgia conservadora) ou dos órgãos afetados (cirurgia radical), nomeadamente o útero e/ou ovários. No entanto, a cirurgia radical pode não eliminar completamente os sintomas. Além disso, a recorrência dos sintomas e das lesões de endometriose é esperada em cerca de 50% das doentes nos 5 anos seguintes à cirurgia, pelo que pode ser importante reiniciar um tratamento médico logo após a cirurgia. Quanto ao tratamento não-farmacológico, ele pode ser proposto de forma complementar para melhorar a qualidade de vida e bem-estar. A fisioterapia pélvica e a terapia cognitiva-comportamental são exemplos disso. No entanto, não é possível recomendar uma intervenção específica, uma vez que este tipo de tratamentos não dispõe de uma evidência científica robusta. As intervenções alimentares podem também ser úteis no controlo das queixas. A decisão terapêutica deverá ser sempre tomada em conjunto com a doente e, quando necessário, em contexto multidisciplinar, dado a complexidade desta patologia.
Apesar de muitos avanços terem já sido feitos em torno da endometriose, ainda existe um longo caminho a percorrer em diferentes áreas, nomeadamente na compreensão da fisiopatologia da doença, suas causas e comportamento, métodos de diagnóstico e armas terapêuticas. Existem inúmeros estudos a decorrer nas várias vertentes, o que revela o interesse da comunidade científica por esta patologia. Teremos seguramente mais respostas que virão beneficiar as mulheres com endometriose e a sociedade em geral. Ainda recentemente foi lançado um novo medicamento com eficácia com- provada no tratamento da endometriose a longo prazo.