Qual o papel dos partidos políticos para a dignificação das assembleias municipais?

BÁRBARA BARREIROS INVESTIGADORA JUSGOV DA UNIVERSIDADE DO MINHO (PROJETO SMART CITIES AND LAW, E-GOVERNANCE AND RIGHTS)

 

 

Alguns cidadãos não sabem para que servem as assembleias municipais e qual o papel dos deputados municipais, que a integram. Muitos desconhecem a identidade dos deputados municipais do seu próprio município e muitos dos que conhecem nunca se dirigiram a estes para apresentarem as suas reivindicações. Aqueles que não acompanham o desenvolvimento da política local acreditam que esta é desenvolvida única e exclusivamente pela câmara municipal (pelo presidente da câmara e pelos seus vereadores) quando a organização das autarquias locais compreende, igualmente, uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial (câmara municipal) perante ela responsável.

Compreendemos em parte esta falta de conhecimento. Por um lado, a câmara municipal acaba por ganhar maior visibilidade por ser o órgão executivo do município. Por outro lado, a lei atribui elevada importância às assembleias municipais, consagrando-lhes poderes de fiscalização e de deliberação sobre os assuntos mais importantes para o município, mas, na prática, estes poderes têm sido limitados quer pela falta de apoio técnico aos deputados municipais, quer pela falta de acesso atempado aos documentos que lhes permitam exercer devidamente os seus poderes de fiscalização. Acresce, lamentavelmente, a resignação de alguns deputados municipais que obedecem cegamente à disciplina de voto, erradamente imposta por algumas estruturas locais de partidos políticos, com o único propósito de não perder a confiança do partido e poder vir a ser novamente indicado pelas estruturas internas para ser candidato a um ou a outro cargo político. Estas são, essencialmente, as razões por que as assembleias municipais funcionam a meio gás e não cumprem invariavelmente o seu papel. Consequentemente os cidadãos afastam-se da vida política porque deixam de acreditar nos seus representantes políticos. Muitos perderam a confiança nos políticos e catalogam-nos todos como “farinha do mesmo saco” seja qual for a ideologia política, devido aos vários episódios de indícios de corrupção a que temos assistido. Assiste-se também a uma crescente descredibilização dos partidos políticos pelas franjas mais jovens da população e a consequente falta de identificação com os partidos, bem como, a aderência a novos populismos como forma de protesto contra o sistema. Não podemos deixar que isto aconteça a bem da democracia local, pelo que é oportuno refletirmos sobre o papel fundamental dos partidos políticos para o exercício da democracia local e o necessário contributo destes para a dignificação das assembleias municipais. Com efeito, os deputados municipais são peças-chave para que seja exercida uma verdadeira fiscalização às políticas municipais. Esta fiscalização deve ser livre e independente, ainda que o eleito seja indicado por algum partido político e estes desempenham naturalmente um papel preponderante na organização do poder.

Apesar das candidaturas apresentadas por grupos de cidadãos, a maioria das candidaturas às assembleias municipais são apresentadas por partidos políticos, pelo que estes têm uma importante intervenção no ato de apresentação de candidaturas no processo eleitoral local. A apresentação de candidaturas é precedida de um procedimento interno previsto pelo estatuto próprio de cada partido, através do qual estes escolhem e indicam os seus candidatos, bem como, aprovam o respetivo programa eleitoral a apresentar às eleições autárquicas. A intervenção partidária não se extingue nessa fase, mas prolonga-se durante as fases subsequentes, e assim, cabe às estruturas locais partidárias prestar apoio, formação e assessoria à atividade dos seus parlamentares.

Na realidade, os deputados municipais são chamados a pronunciar-se e a intervir sobre os assuntos mais importantes do município e não obstante a assembleia municipal reunir apenas em cinco sessões ordinárias anuais (fevereiro, abril, junho, setembro e novembro ou dezembro), pode ser convocada para reunir em sessão extraordinária, a qualquer momento, por iniciativa do presidente ou da mesa da assembleia, por iniciativa do presidente da câmara municipal (em cumprimento de deliberação da câmara municipal), ou por iniciativa de um terço dos deputados municipais e a pedido dos eleitores (5% dos eleitores inscritos até ao máximo de 2500). Para além disso, a atividade de fiscalização não se esgota nas sessões da assembleia municipal. Quer isto dizer que o trabalho dos deputados municipais é intenso e ininterrupto, mas simultaneamente exercem as suas profissões, pois não são remunerados pelas funções políticas que exercem (e na nossa opinião, não devem sê-lo), recebendo apenas uma senha de presença por cada assembleia municipal que na maioria das vezes prolonga-se por várias horas do dia ou da noite, de acordo com a extensão da ordem de trabalhos apresentada. Perante isto e visto que à exceção da assembleia municipal de Lisboa, a maioria das assembleias municipais em Portugal não prevê no seu orçamento a necessária assessoria técnica aos deputados municipais, parece-nos que devem os partidos políticos suprir esta carência e possibilitar formação e apoio aos eleitos locais, para que esses possam prestar um melhor serviço aos cidadãos.

Naturalmente que a liberdade partidária de programar e escolher o candidato que mais convém para representar o partido nos órgãos das autarquias locais, e mais precisamente, na assembleia municipal esgota-se após a sua escolha e a consequente tomada de posse do deputado eleito. Desde esse momento, o mandato na assembleia municipal resultante das eleições deve ser exercido com total liberdade e independência. Desde logo, porque o mandato é atribuído pelo povo e não pelo partido político, o que lhe atribui legitimidade popular. Com efeito, os partidos não votam, apenas indicam os nomes através de uma lista e apresentam também os respetivos programas eleitorais e os deputados municipais não são meros autómatos parlamentares. Aliás, vale relembrar que os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas ações e omissões que pratiquem no exercício das suas funções, pelo que os deputados municipais são pessoalmente responsáveis pelas deliberações que tomam e esta responsabilidade não se transfere para o partido. Por isso, as deliberações devem ser tomadas em consciência e dentro da legalidade.

Obviamente existe uma coordenação eleita no seio dos grupos parlamentares e um momento de debate interno que se desenvolve no interior do grupo parlamentar respetivo, mas não pode existir partidocracia disciplinar. Nesta lógica, os partidos políticos têm também o dever de auscultar a população, e assim em conjunto com os seus representantes nas assembleias municipais devem realizar o trabalho político de reunir com as instituições do município, pois estes são os mandatários dos cidadãos junto das instituições políticas, a quem o partido depositou a sua inteira confiança ao escolhê-los e designá-los como candidatos. Os partidos políticos devem também elaborar estudos profundos sobre as principais problemáticas do município e aplicar uma estratégia política de acordo com o que ficou definido no programa eleitoral para a resolução desses problemas. Se assim não for, para que servem os partidos políticos, mais concretamente as estruturas locais?