Considera que o dia da escolha do curso, foi dos mais difíceis que teve, por se sentir vocacionada para diversas áreas do saber e, sem qualquer experiência prévia, aos 17 anos ter de escolher apenas uma. Sentia que havia uma missão que lhe tinha sido atribuída, alusiva a um bem maior que si própria, mas que não sabia bem do que se tratava. Cedo percebeu que os seus sonhos estavam para lá do horizonte que via.
Licenciada em Gestão e pós-graduada em Fiscalidade Regional e Internacional, na Universidade da Madeira, aos 22 anos rumou a Lisboa e Milão onde frequentou o
Internacional Master of Science in Business Administration pela Universidade Católica de Lisboa e Università Bocconi, para reforçar as suas competências de gestão e conhecer novas perspectivas internacionais. Após estágios no sector da banca, optou por ingressar na carreira de consultoria de estratégia e operações, pelo desafio constante e aprendizagem rápida prometida. Entre Portugal e Angola, manteve-se no sector, até ao final de 2019, nesta última fase já como Manager responsável pela gestão de equipas e de projectos e considera que foi a escola que precisava para ter o brio profissional e a visão holística e a longo prazo que hoje tem. Os projectos por onde foi passando evidenciaram a importância da inovação e do conhecimento, e por essa razão decidiu frequentar a Pós-Graduação em Gestão de Informação e Business Intelligence na Saúde onde confessa que “caiu a ficha”, relativamente ao valor dos dados em saúde e o potencial para literalmente salvar vidas, e aí decidiu que queria mudar o rumo da sua carreira, com vista a especializar-se no sector. Foi convidada a ser mentora de startups na Healthcare City, onde acompanhou diversos projetos de tecnologia e inovação no sector e em 2019, quando se preparava para dar seguimento ao curso de Administração Hospitalar, foi convidada para voltar à sua terra natal e ingressar no Conselho de Conselho de Administração do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM, EPERAM), onde se mantém desde então.
Sente paixão pelo que faz e foi nesta função que compreendeu, de forma inequívoca, qual o seu propósito e sentido de missão no mundo em que vivemos – criar condições para que as organizações de saúde sejam mais eficientes e geradoras de valor em sáude e que a experiência dos utentes seja cada vez melhor, porque cada dia conta.
Em 2021 foi nomeada uma Young Executive Leader no sector da saúde, pela Federação Internacional dos Hospitais, como resultado de um trabalho concluído juntamente com 34 jovens de diversos países sobre os desafios do sector, nomeadamente no respeitante à transformação digital necessária, desafios e oportunidades. Em 2022, fruto da estratégia regional para a capacitação de novos quadros dirigentes, foi convidada pela sua tutela a ingressar o 39o Programa de Alta Direção de Instituições de Saúde (PADIS), promovido pela AESE.
O superpoder dos dados de saúde para salvar mais vidas
Todos nós somos conscientes de que a saúde tal como a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza (“o bem-estar físico, mental e social, mais do que a mera ausência de doença”) é o bem mais precioso que temos, e quem nos dera podermos mantê-la eternamente ou recuperá-la rapidamente sempre que perdêssemos ou a sentíssemos escapar. Em Portugal, sabemos que a esperança média de vida tem vindo a aumentar, mas que nos últimos anos vividos, a qualidade de vida e autonomia das pessoas não tem sido motivo de orgulho, e é isso que queremos inverter, de forma a vivermos mais e melhor.
Essencial para o bem-estar da população, a saúde também é o elemento primordial para o desenvolvimento económico e social do País. O aumento da produtividade ou da competitividade, está diretamente correlacionada com o estado de saúde da população ativa, pelo que impera a necessidade de um forte investimento no sector da saúde, nomeadamente com vista à prevenção de doenças e à assertividade de diagnósticos e tratamentos (medicina personalizada ou de precisão), sob pena de pôr em risco a existência das gerações vindouras e a sustentabilidade das nações.
Em Portugal, o sector da saúde gera um volume de negócios anual na ordem dos 30 mil milhões de euros, envolvendo perto de 90 mil empresas e dando emprego a quase 300 mil pessoas, de acordo com o Health Cluster de Portugal. Apesar do crescimento do sector privado nos últimos anos, o sector público da saúde ainda é responsável pela maior parte da despesa em saúde fruto da sua preponderância em termos de atividade assistencial de diagnósticos e tratamentos. Segundo a última publicação disponibilizada pelo INE, em 2020 a despesa pública (estimada) em saúde foi de 67,6% face aos 32,4% do sector privado, representando um acréscimo de 6,6% na despesa corrente pública e uma diminuição de 10,3% na despesa corrente privada, face ao ocorrido em 2019. Neste contexto, o sector público da saúde ainda é o fiel depositário da maior parte dos dados de saúde gerados (no passado e no presente).
Qualquer bom gestor reconhece o valor determinante de ter informação de qualidade, correta e em tempo útil ao dispor, para sustentar as suas tomadas de decisão antecipando o seu sucesso profissional e o êxito e sustentabilidade do negócio que gere. Sabe também que, no mundo atual, com a gigantesca quantidade de dados que circulam ao microssegundo nas organizações, essa informação de qualidade só é possível com o pressuposto de coexistirem sistemas de informação organizados, seguros e interoperacionais, ou então integrados. São as bases de dados desses sistemas de informação que garantem que, de forma automática, haja recolha de dados e que a informação seja estruturada e relacionada entre si, permitindo a gestão, a organização, a manutenção, a pesquisa e a partilha de enormes volumes de dados. Nos últimos anos, a disponibilidade e o acesso aos dados cresceram e melhoraram, com as inúmeras ferramentas de analytics que têm vindo a aparecer. Antes, a informação era extraída apenas por equipas especializadas. Hoje em dia, grande parte dos profissionais são capazes de elaborar análises, com dados do mundo inteiro, de maneira rápida e precisa, apenas com o portátil no colo.
Antevendo o potencial do valor que poderá ser gerado, o acesso e utilização dos dados são a força motora inerente à 4a Revolução Industrial, também designada por transformação digital. O objetivo é utilizar os dados para alcançar melhores e mais personalizados resultados de saúde, ser mais eficiente nas negociações com fornecedores e financiadores e, em última instância, ser catalisador de uma mudança para um maior enfoque na prevenção em vez do tratamento.
No sector da saúde, o acesso e partilha de dados e informação pelos profissionais de saúde, pode ser a diferença entre a vida e a morte, o que torna este tema excecionalmente mais pertinente, do que eventualmente noutros sectores. Para além do que o universo de pessoas que pode abranger é exponencialmente superior, uma vez que se trata de todo e qualquer pessoa existente no mundo em determinado momento.
Organizações de saúde como hospitais, laboratórios ou clínicas geram e gerem diariamente um grande volume de dados de pacientes, fornecedores ou parceiros. No entanto, continua a ser frequentemente difícil para os cidadãos aceder aos seus dados por via eletrónica, e para os investigadores a utilização desses dados com vista a garantir a melhoria nos diagnósticos e tratamentos. Os dados em saúde estão por toda parte e têm a sua origem em diversas fontes, como registos dos utentes, resultados de exames, histórico de transações, dados de wearables ou de dispositivos médicos, sendo que têm ganhado cada vez mais protagonismo para a evolução do serviço assistencial, promovendo uma maior assertividade de diagnósticos e tratamentos e, consequentemente, facilitando a manutenção da qualidade de vida de cada paciente.
O último Relatório Global sobre Sistemas e Capacidades de Dados de Saúde publicado pela OMS, destaca a ainda maior importância dos dados e de informação fidedigna, no contexto da situação pandémica que estamos a atravessar. A pandemia evidenciou que mesmo os sistemas de saúde e dados mais avançados ainda lutam para fornecer informações quase em tempo real a fim de agir rapidamente. A falta de dados em todo o mundo tem limitado a compreensão do verdadeiro impacto da mortalidade por COVID-19, prejudicando o planeamento das respostas atuais e futuras.
Não se combate algo desconhecido. O primeiro passo para superar a pandemia é mensurá-la e enxergar seus impactos. E para isso são necessários dados atualizados, abrangentes e interconectados num sistema bem estruturado de informação em saúde. É fundamental dispor de dados de saúde actualizados, fiáveis e comprometidos com os princípios FAIR: facilidade de localização, acessibilidade, interoperabilidade e reutilizabilidade. Entre outras recomendações, os países são orientados a investir em áreas prioritárias com maior impacto na recolha, análise e uso de dados de saúde, assim como a fortalecer os seus sistemas de informação de dados de saúde para melhorar os seus sistemas de registo de dados e recolher mais dados de melhor qualidade.
É nesta consciência da importância dos dados e do seu superpoder para o futuro das organizações que o tema da transformação digital é agora falado em todo o mundo. Por esta razão e pela importância do sector, também na saúde o foco terá de ser esse. A aposta deverá passar pelo desenvolvimento e utilização de tecnologias digitais para recolher e relacionar grandes quantidades de dados (Big Data), de forma a criar sistemas de saúde mais fortes e resilientes e para apoiar a competitividade e a inovação a longo prazo das organizações de saúde. Em 2021, um inquérito da Accenture revelou que 88% dos gestores na área da Saúde indicavam que a análise de dados e o Big Data eram a sua principal prioridade estratégica. A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico estima que a partilha de dados automática, entre outros aspectos, deverá promover poupanças estimadas de até 15% das despesas hospitalares. Só na área hospitalar, estes conteúdos são responsáveis por 50 petabytes de informação por ano, a nível global, mas curiosamente cerca de 97% da informação gerada não é utilizada, devido à atual complexidade do processo analítico, pelo que tem de haver uma aposta clara na capacitação de equipas e no desenvolvimento de sistemas de segurança e de infra-estruturas tecnológicas para o armazenamento e partilha dos dados.
A capacidade das organizações de saúde em gerar valor depende de quão eficazmente conseguirão desbloquear o poder dos dados e gerar conhecimento ao conectar, combinar e partilhar dados em segurança numa escala nunca antes vista. Para tal, a transformação digital na saúde é uma realidade que deve ser reconhecida e incorporada por gestores e dirigentes da saúde, mas também por colaboradores, profissionais da saúde e pacientes.
Nos países em desenvolvimento, antes de tudo, permitirá o simples acesso à prestação dos cuidados de saúde por todos (mesmo em zonas remotas), redução das desigualdades e a maior rapidez no diagnóstico e tratamento, antecipando problemas.
Nos países desenvolvidos será o motor para a evolução do conhecimento que vai potenciar a medicina personalizada com a entrega de diagnósticos mais precisos e eficientes, tratamentos em tempo real, redução de erros, promovendo a crescente segurança nas decisões, processos de inovação mais céleres e impactantes e o empoderamento do utente, que passa a ser um gestor ativo da sua saúde.
Ainda no início deste mês (Maio 2022), a Comissão Europeia deu os primeiros passos no sentido de tornar uma realidade a existência de um Espaço Europeu de Dados de Saúde, de forma a aproveitar o potencial dos dados de saúde em prol das pessoas, dos doentes e da inovação (utilização primária – para obter melhores cuidados de saúde a nível nacional e transfronteiriço e; utilização secundária – para fundamentar e avaliar as políticas de saúde pública ou para realizar investigação). Será mais fácil aceder aos nossos dados de saúde e partilharmos com os profissionais de saúde, sem termos de repetir desnecessariamente os mesmos exames, com efeitos positivos para os doentes e redução das despesas de saúde e alocação de recursos desnecessária.
Simultaneamente, um acesso mais fácil a dados de elevada qualidade facilitará também a inovação e o desenvolvimento de novos tratamentos, de novas vacinas e de medicina de precisão. Paralelamente, os Hospitais e sistemas de saúde têm vindo a investir em computação em nuvem, telecomunicações 5G, inteligência artificial e interoperabilidade para enfrentar os desafios atuais, além de construir novos modelos de prestação de cuidados digitais, imperativos para a sustentabilidade e futuro do sector.
A transformação digital, com vista a melhor informação em saúde, é uma jornada a médio e longo prazo, com muitos desafios e investimentos de elevado valor. Não obstante, o potencial é imensurável face ao custo. Os dados e a informação que daí advém salvam vidas e o caminho é longo. Cabe aos gestores das organizações de saúde, a incorporação antecipada desta visão nos seus planos de investimento, pois there is no way back. Ou impulsionam a mudança, com base num planeamento atempado e definição estratégia ou serão rebocados pelas forças do sector, sendo o custo superior ao retorno.