Francisca Shearman de Macedo saiu da sua zona de conforto, com anos de experiência na banca, para criar uma start-up amiga do ambiente. A United to Remake surge para reduzir o desperdício, oferecer acompanhamento e encontrar novas formas de upcycling. A United To Remake pretende lembrar-nos de que “refazer” (remake) as vidas das pessoas pode e deve ser uma tarefa eficaz. Este projeto é também um Remake da sua vida e quer ajudar os outros a faze-lo.
A United To Remake é uma Empresa de Oeiras Valley e que faz parte do Hub de Inovação do Taguspark.
De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente, a produção de resíduos urbanos em Portugal continental manteve-se, em 2020, em aproximadamente 5 milhões de toneladas, o que corresponde a uma capitação anual de 512 kg/ habitante por ano, ou seja, uma produção diária de 1,40 kg por habitante em que considerável parte ainda vai para aterro.
Apesar de nos últimos anos ter havido um aumento no número de infraestruturas para a recolha seletiva, a mesma não teve os reflexos proporcionais nos números dos resíduos recolhidos seletivamente. A recolha indiferenciada continua a ser a preferencial para os resíduos urbanos.
Quando Francisca Shearman de Macedo começou a fazer reciclagem em casa e a separar os resíduos apercebeu-se do problema. Decidiu desenvolver campanhas de sensibilização interna e entendeu que a melhor forma de consciencializar é através da evidência. “É obrigatório confrontar as pessoas com a quantidade de resíduos que produzimos”, afirma.
A taxa de circularidade de matérias-primas é de 8,6% quando o mínimo desejável seria de 17%. Tendo em conta que a maioria das empresas provavelmente não tem a capacidade instalada para se debruçar sobre o tema, Francisca criou a start-up United to Remake (U2R). “Acredito que a U2R dá resposta a esta lacuna e ajuda as empresas que ficam com uma equipa que trata do tema de A a Z e está totalmente focada na resolução dos impactos ambientais que a empresa gera”, explica.
O objetivo principal da U2R é contribuir ativamente, de forma inovadora e em parceria direta com marcas e empresas, no sentido de reduzir o desperdício, oferecer acompanhamento e encontrar novas formas de upcycling – reciclar e transformar.
Assim, apresenta-se como uma empresa de consultoria, com duas linhas de negócio.
Em primeiro lugar, a criação de um portefólio de programas de recolha, logística e reciclagem patrocinados por empresas conscientes, com a finalidade de viabilizar a recolha e a separação correta de resíduos e até mesmo a sua transformação em novos.
“Por exemplo, uma empresa que fabrica shampoos e produtos de beleza deve ter uma preocupação de recolha das suas embalagens vazias e, como tal, desenha com a nossa ajuda um projeto de logística reversa para garantir que os seus clientes devolvem as embalagens vazias e continuam a recomprar”, ilustra. “Com estes resíduos podemos fazer milhares de coisas e voltar a inserir a matéria-prima no ciclo de valor.”
Em segundo lugar, a promoção de produtos de upcycling de parceiros, numa lógica B2C e B2B, através da qual representam empresas ou ONGs que, com a sua orientação, podem reutilizar os seus próprios resíduos na criação de peças de merchandising ou outras peças de upcycling.
Inovar fora da zona de conforto
Desde sempre que Francisca foi sensível a questões ambientais, no entanto este é o maior desafio da sua carreira. Licenciada em Relações Internacionais toda a sua experiência profissional foi construída na Banca. A sua ambição era seguir a carreira de diplomata, mas começou a trabalhar no Millennium BCP quando ainda estudava.
Com funções comerciais de telemarketing, uma área de vendas em grande desenvolvimento na altura, vendia todo o tipo de produtos bancários. Após a graduação permaneceu no BCP por mais 10 anos, dedicando-se à área de crédito de consumo. Francisca Shearman foi das primeiras mulheres a trabalhar no BCP. Ao longo do seu trajeto chegou a ouvir algumas piadas que insinuavam que os seus resultados só se deviam ao facto de ser mulher, “graçolas” que nunca levou a sério. “Se pintava as unhas perguntavam se tinha entalado as mãozinhas! Mas tudo de forma divertida e respeitosa, nunca me senti minimizada ou ofendida por ninguém”, garante. “Tenho muitas saudades deste tempo e ainda hoje me divirto a recordar os disparates que aprendi com aquelas “criaturas”.”
Alerta, no entanto, que o seu exemplo não é representativo. “Continuamos a discriminar e é imperativo continuarmos a combater qualquer forma de segregação”, apela. Em 2004 foi convidada para a equipa do Barclays Bank onde se tornou Gestora de Parcerias no Barclaycard e mais tarde Diretora Comercial de Retalho de Cartões. Em 2008, testaram uma nova abordagem para um programa de incentivo de vendas que consistia num programa de investimento comunitário chamado “Sorrisos da Rita”, onde trabalhavam com crianças com paralisia cerebral e falta de recursos. O programa foi reconhecido como o Melhor Projeto Barclays Português de Cidadania em 2010. Em 2011, foram nomeados para os prémios de cidadania do Grupo Barclays com o projeto “Make a Wish”. Foi neste programa que surgiu a sua paixão por assuntos de Responsabilidade Social Corporativa. Foi indicada para Southern Europe Citizenship Head, onde desenvolveu vários projetos nacionais e internacionais.
São muitas as mudanças na sociedade em termos de ecologia e os planos traçados pelos governos. No mundo empresarial, existem cada vez mais oportunidades de trabalho para Chiefs of Sustaintability, conta Francisca. “Há dois anos isso era impensável.”
No entanto, os números são incontornáveis e os planos têm de passar do papel para a realidade. Passar do Greenwashing para efetivamente reintegrar os seus resíduos na cadeia de valor. “O nosso projeto, pretende ajudar a materializar tudo isso e com a área de consultoria pretendemos exatamente acompanhar nesse processo”, diz.
A United to Remake nasceu no verão de 2021 e tem estado fortemente envolvida no apoio à Ocean Sole. A organização remove do oceano índico e rios resíduos de borracha gerados por chinelos e transforma-os em peças de decoração que “são a melhor forma de mostrar as potencialidades de transformação de resíduos e de mostrar que o lixo pode ser um assunto sexy”, brinca.
No catálogo têm ainda garrafas feitas com resíduos de cana-de-açúcar e peças da Cais Recicla, um projeto da Associação Cais que privilegia processos de criação artística para capacitar pessoas em situação de sem abrigo e risco de exclusão social. Através da reutilização de desperdícios produzem peças de eco design personalizadas de acordo com a imagem corporativa dos seus clientes. A receção por parte das empresas que têm preocupações ambientais tem sido positiva e foram convidados para participar em várias iniciativas de economia circular. Acabamos de fechar uma parceria com a Aplanet que gere soluções tecnológicas de sustentabilidade para organizações gerirem os seus resultados ESG – Ambientas, Sociais e de Governação – uma ferramenta que Francisca considera excecional para ajudar os seus clientes a gerirem os dados não financeiros de uma forma ágil e precisa.
Estão também a formalizar um acordo com uma empresa brasileira especializada em rastreabilidade de resíduos para desenvolverem uma aplicação para os clientes finais. Para além da questão ambiental, a U2R tem também um cariz social – 20 % dos resultados da linha de logística reversa reverte para a associação Crescer, com o objetivo de potenciar a criação de oportunidade de capacitação e criação de emprego verde. Estão também a formalizar um acordo com uma empresa brasileira especializada em rastreabilidade de resíduos para desenvolverem uma aplicação para os clientes finais. A prioridade principal é lançar o primeiro projeto e fechar o ano com um segundo parceiro. A U2R ambiciona ser uma referência na área, a nível ibérico. “Sustentabilidade não é só ambiente e reciclagem, é sermos eficientes e eficazes”, conclui.