Rita Nabeiro é a Diretora Geral da Adega Mayor e Administradora do Grupo Nabeiro – Delta Cafés, que marca também presença nesta edição especial dedicada ao Dia Internacional da Mulher. Ao longo da entrevista, Rita Nabeiro salienta que, no momento que assumiu a Direção-Geral da Adega Mayor sentiu o peso da responsabilidade, e ao mesmo tempo, a vontade de iniciar uma cultura de inovação, sem esquecer o importante legado familiar. Sobre o melhor caminho para a liderança, a nossa entrevistada frisa que este deve inevitavelmente passar pela crescente humanização da gestão, onde as pessoas ocupem um papel central e criem valor humano, e não apenas financeiro.
A MATERIALIZAÇÃO DO PROJETO ADEGA MAYOR FOI O CONCRETIZAR DE UM SONHO?
O projeto da Adega Mayor nasce de um sonho antigo do meu avô, fruto da sua paixão pelos vinhos e por Campo Maior, terra que antigamente tinha uma cultura vitivinícola muito presente, mas que se foi perdendo com a passagem do tempo.
De forma a inverter essa tendência, em 1997, o Grupo Nabeiro iniciou a plantação das primeiras vinhas na Herdade da Godinha, e três anos mais tarde na Herdade das Argamassas. Inaugurada em 2007, a Adega Mayor, desenhada pela mão do arquiteto Siza Vieira, foi a primeira adega de autor do país, reforçando o caráter pioneiro do Grupo Nabeiro criando simultaneamente mais riqueza para a região.
A Adega Mayor além do prestígio que aporta para o grupo, representa uma aposta de crescimento num setor estratégico (vinhos e azeites). Simultaneamente complementa a oferta de produtos representados pelo Grupo Nabeiro, que hoje vão muito para além do café.
COMO DESCREVE O SENTIMENTO EM DAR CONTINUIDADE AO LEGADO EMPRESARIAL DO SEU AVÔ (RUI NABEIRO)?
É um orgulho e acima de tudo uma grande responsabilidade. Muito tem sido construído ao longo dos quase 60 anos de vida deste grupo. Houve muito trabalho por parte do líder e de toda uma equipa de profissionais que contribuíram para o que o grupo Delta é hoje.
Estando a trabalhar há mais de 10 anos no grupo, e particular na Adega Mayor, sinto que tenho dado o meu contributo numa área nova dentro do Grupo. Ao longo deste caminho tenho tido a liberdade para criar e orientar este projeto, podendo para isso, contar com um mentor e conselheiro de exceção, como o meu avô.
Paralelamente à Adega Mayor, cujo nome já se afirmou entre os milhares de marcas de vinhos em Portugal, o trabalho no grupo é no sentido de transformação e evolução. Cabe às novas gerações olhar para os desafios futuros, preparando a organização criando uma cultura de inovação e dotando-a de novas ferramentas tecnológicas que agilizem o trabalho e aproximem geografias. Ao mesmo tempo sinto-me guardiã dos valores basilares do Grupo Nabeiro, como a sustentabilidade, a integridade e a proximidade, imprimindo à organização um cunho de partilha, criatividade e de curiosidade permanente.
O QUE A APAIXONA NO MUNDO DOS VINHOS E DA VINHA?
O meu percurso profissional teve início na área artística, mais concretamente em Design de Comunicação. Sendo a criatividade parte do que eu sou, misturá-la com o que eu faço surgiu naturalmente. Fazer vinho também é um processo criativo que começa com a natureza. Fazer um vinho é como escrever um livro, fazer uma música ou uma pintura. Parte é ciência, parte é trabalho duro e o resto é feito pela natureza, humana ou não. O vinho é também parte da nossa herança cultural portuguesa, faz parte das nossas mesas e nesse sentido, tem uma associação direta a momentos de alegria e de partilha
É EMPRESÁRIA NUM SETOR VINCADAMENTE MASCULINO. AO LONGO DO SEU PERCURSO PROFISSIONAL JÁ ENCONTROU OBSTÁCULOS? DE QUE FORMA OS SUPEROU?
Confesso não pensar muito no facto de ser uma mulher num cargo de direção. Acima de tudo, preocupo-me em desenvolver o negócio de forma sustentada e em manter um ambiente saudável e equilibrado para as minhas equipas, seja na Adega Mayor, ou nas outras áreas que dirijo dentro do Grupo Nabeiro – Delta Cafés.
Quando assumi a direção-geral da Adega Mayor, senti acima de tudo o peso da responsabilidade e a vontade de fazer bem e diferente. Não pensei em termos de género, mas sobretudo pelo facto de, até então, ter tido um percurso profissional ligado ao marketing e às indústrias criativas. Cheguei a sentir-me um peixe fora de água, mas aos poucos, percebi que a diferença podia ser uma força e não uma fraqueza.
Relativamente aos obstáculos, eles existem e existirão sempre, independentemente de sermos homens ou mulheres. Cabe-nos saber contorná-los e não desistir, ajudando a derrubar alguns obstáculos e barreiras para as novas gerações, tal como as anteriores fizeram com a minha.
ASSISTIMOS CADA VEZ MAIS À ENTRADA DE MULHERES COM CARGOS DE CHEFIA EM GRANDES GRUPOS NACIONAIS. COMO ANALISA ESTAS MUDANÇAS?
Encaro com otimismo e naturalidade a progressão de mais mulheres em cargos de liderança. Porém, os números ainda espelham um grande desequilíbrio, que é tanto maior quanto maior é o degrau na hierarquia.
Se no setor público começamos a verificar algumas mudanças, em parte aceleradas pela introdução de quotas de género, no setor privado esta realidade continua a ser um horizonte distante, existindo mais disparidade quanto maior é a dimensão da empresa. No extremo oposto temos as microempre- sas, que representam cerca de 95% do tecido em- presarial nacional e onde a liderança feminina tem vindo a crescer.
Um estudo recente da Mckinsey revela que apesar de 58% dos licenciados serem mulheres, existe um grande desnível quando na passagem do chamado “entry-level” para a chefia intermédia (de 58% para 38%), sendo que vai afunilando e apenas 6% chegam a cargos de CEO.
Apesar do tema ser alvo de diversos estudos e debates, ainda temos duas realidades distintas e alguma resistência a um equilíbrio natural, nomeadamente a nível numérico, mas sobretudo de direitos, designadamente salarial. Mais do que falar apenas em igualdade de género deveremos falar de diversidade, transparência e meritocracia. Esse é o verdadeiro caminho para um maior equilíbrio quer nas empresas, quer na sociedade.
O QUE É NECESSÁRIO PARA CONSEGUIR UMA LIDERANÇA EXÍMIA?
Não acredito em lideranças exímias, pois somos seres humanos e todos erramos. Não obstante, considero que o caminho passa inevitavelmente pela crescente humanização da gestão, por um tipo de liderança onde as pessoas ocupam um papel central na construção de algo que vai para além da empresa e que se traduz em valores humanos e não apenas financeiros e que, em última instância, se materializam na construção de uma sociedade melhor.
CELEBRAR O DIA INTERNACIONAL DA MULHER É…
Para mim é sobretudo recordar todas as mulheres que lutaram, e inclusivamente perderam a vida, para que hoje em Portugal e noutros países do mundo, eu possa ter o direito de voto, o direito de escolha e de autodeterminação e acima de tudo liberdade. É relembrar que apesar do longo caminho percorrido ainda existem muitas desigualdades no mundo. É recordar que há muitas crianças que não podem ir à escola porque nasceram raparigas. É recordar que há muitas mulheres que são vítimas dos mais diversos crimes em cenários de guerra e não só. É lembrar de não esquecer que ainda temos um longo caminho pela frente.