A literacia em saúde e a liderança dos que podem contribuir para sociedades mais equitativas e justas

Cristina Vaz de Almeida, PhD . Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS)
Cristina Vaz de Almeida, PhD . Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS)
A literacia em saúde permite o empoderamento de todas as populações. A literacia em saúde é uma estrada segura para as decisões em saúde ao longo do ciclo de vida. O poder de ter mais literacia em saúde começa pelos mais fortes, os que estão mais alertas, os que têm mais conhecimentos, mais capacidades e têm uma situação económica, social, educacional mais favorável. Quem vive na pobreza de meios, recursos e em situação de vulnerabilidade tem mais dificuldade em tomar decisões acertadas em saúde.

Se a literacia em saúde favorece os mais robustos em competências e com mais defesas em saúde, então deverão ser estes a contribuir para promover junto de todos os outros as pontes de literacia em saúde. E isto implica não apenas os adultos, mas também os mais jovens e os mais velhos. Implica um ciclo de vida de interconexões positivas que se auto beneficiam mutuamente. Todos aprendem.

Os profissionais de saúde são os maestros da relação terapêutica (Vaz de Almeida, 2018). Em processos de empoderamento, a liderança conta. Liderar significa também servir para melhorar os que precisam de mais cuidados, de maior conhecimento e capacidades na prevenção da doença e na promoção da saúde.

Liderar é antecipar as consequências e as falhas. É racionalizar e usar os conhecimentos para melhorar as partes e o o todo. Debatemo-nos todos os dias com os determinantes da saúde. Se a habitação falha ou não tem condições de higiene ou segurança, se os transportes são de difícil acesso, se a comida chega de uma forma reduzida ao prato, se as crianças não têm suporte e modelação positiva, construtiva e saudável no seu crescimento, há necessidade de um olhar e de uma intervenção crítica e interventiva para se conseguir uma maior equidade em saúde.

Já passou o tempo de acreditar que as pessoas sozinhas conseguem dar a volta às suas vidas, e tomar sempre decisões acertadas no seu dia a dia, ou mesmo compreender o que são fake news e como isso as pode afetar.
O mundo em saúde é demasiado complexo para ser facilitador ao ponto de as pessoas poderem compreendê-lo à primeira vez. A literacia em saúde com uma comunicação acessível, fácil, traduzida do jargão técnico abre as portas das mentes, da compreensão e de um melhor uso de recursos.

Quem compreende está mais disposto a agir.

A literacia em saúde é um determinante social crítico da saúde (CDBIO, 2024). Ao proteger o ser humano, para que ele saia fortalecido na relação que tem, individualmente e na comunidade, com os fatores que influenciam a sua saúde, a literacia em saúde vem garantir a promoção e a defesa dos direitos humanos, garantindo uma autoconsciência do que é promotora de maior qualidade de vida e de bem-estar.

Esta autoconsciência adquirida depois do desenvolvimento de competências sobre a saúde através de maior conhecimento, capacidades e desenvolvimentos de atitudes e comportamentos. Mas não bastam as competências, deve haver a oportunidade para poder aceder, para se poder mudar.

Se na comunidade não existirem centros de saúde ou estes forem muito distantes, o acesso a saúde é desigual se a pessoa não tiver condições económicas para pagar um transporte para aceder aos serviços de saúde. Se as crianças e jovens ou as pessoas mais velhas não tiverem, por exemplo, parques com plantas, arvores e um ambiente com natureza protetora, as pessoas não têm oportunidade para brincar, jogar, passear em condições acessíveis para a sal saúde e promoção da sua saúde. Michie et al (2006) vêm apresentar no seu modelo COM – B que para a mudança de comportamento é preciso que haja a oportunidade além das competências e da comunicação. Há, porém, já uma grande evidência sobre os inúmeros desafios dos sistemas de saúde europeus e que são, entre outros:

  • A redução do financiamento do sistema
  • o envelhecimento da população, com inversão da pirâmide etária
  • o aumento dos fluxos migratórios
  • As políticas restritivas dos países à deslocação e permanência de
    migrantes
  • A diversidade cultural sem atenção às estratégias de conciliação
    com respeito cultural
  • A escassez de profissionais (sobretudo no serviço público)
  • A falta de investigação e ensaios clínicos para o progresso da
    ciência
  • As continuas listas de espera para os doentes em processo de
    tratamento, intervenções
  • A carência de investimento na promoção da saúde e prevenção
    de doenças
  • A gestão dos cuidados em particular cuidados continuados e
    paliativos
  • Os cuidados domiciliários
  • A utilização das tecnologias e dos serviços e ferramentas de
    saúde digitais
  • As ameaças para a saúde coo a resistência antimicrobiana
  • O potencial efeito das pandemias (Covid-19 )
  • As alterações climáticas com perturbação dos sistemas –
    incêndios, cheias, extremo calor ou frio com impacto na saúde da
    população
  • A conciliação entre a gestão publica e privada e o sistema de
    seguros para os mais carenciados

O empoderamento da pessoa nos seus direitos, na sua capacidade de tomar decisões que a protejam e protejam quem depende dela, é um fator de equidade e de melhor saúde dos indivíduos, grupos, comunidades, sociedades.

 

A melhoria da literacia em saúde das pessoas e, consequentemente das organizações e dos sistemas onde se enquadram, aumenta a segurança e a qualidade dos cuidados de saúde e reduz as disparidades nos resultados em matéria de saúde, promovendo assim sociedades mais prósperas e equitativas (CDBIO, 2024).
Para se reduzirem as disparidades em saúde e aumentar a necessária equidade e igualdade de oportunidades no acesso à saúde é necessário tomarem-se algumas iniciativas multidimensionais, integradas e multifatoriais.

Não basta a intervenção apenas em uma área ou dimensão. A literacia em saúde exige uma visão holística, interdisciplinar, multidimensional e multisetorial, dentro dos vários e diferentes contextos e integrada com todos os determinantes. Sem direitos humanos garantidos na sua essência, é difícil haver pessoas mais saudáveis, mais conscientes, mais participativas.

A literacia em saúde é uma luz que acende as mentes e que desperta a
razão e a emoção para uma vivência mais saudável.

Numa adaptação do Guia de literacia em saúde para o acesso equitativo aos cuidados de saúde – Comité Diretor para os Direitos Humanos nos domínios da Biomedicina e da Saúde (CDBIO, 2024), a fim de capacitar todas as pessoas, passamos a sintetizar os pontos de foco para uma melhoria e garantia da literacia em saúde no campo dos direitos humanos:

Reduzir disparidades em saúde

Aumentar a equidade no acesso à saúde

Apoiar os utilizadores dos sistemas de saúde: os profissionais

 

Envolvimento dos profissionais, dos representantes de associações, dos vários stakeholders para promoverem o acesso a informações de saúde válidas e a cuidados adequados
Apoiar os utilizadores dos sistemas de saúde: os utentes

 

Garantir a participação ativa dos utentes na tomada de decisões partilhadas com os profissionais de saúde e com as autoridades de saúde no tratamento, cuidados, prevenção da doença e promoção da saúde;
Promoção do acesso aos espaços digitais Apoiar o seu uso efetivo, e compreensão adaptada ao ciclo de vida, destacando as suas vantagens na utilização dos serviços de saúde, para que as pessoas possam beneficiar plenamente dos mesmos;
Mobilizar os decisores políticos e as autoridades de saúde para promover a literacia no domínio da saúde Este processo deve ser feito em colaboração com as partes interessadas não estatais, como as universidades e outras escolas, a indústria e as ONG;

 

Realizar avaliações das necessidades de literacia em saúde a vários níveis

 

Os decisores e os prestadores de cuidados de saúde são incentivados a aplicar uma abordagem baseada em dados concretos relativos literacia em saúde;
Aumentar a capacidade de literacia no domínio da saúde

 

Trabalhar a literacia em saúde na conceção dos sistemas de saúde, integrá-la na formação e educação da força de trabalho, no treino das lideranças
Sensibilização para a literacia em saúde como uma oportunidade e exigência de emprego Deve apostar-se no desenvolvimento da literacia no domínio da saúde como uma competência profissional.

 

Fonte: Vaz de Almeida, 2024, adaptado de Comité Diretor para os Direitos Humanos nos domínios da Biomedicina e da Saúde (CDBIO, 2024)

 

Deparamo-nos com a responsabilidade dos que podem e devem contribuir de uma forma consciente, efetiva e continua para a melhoria da literacia em saúde dos que passam por nós, e que por várias razões, estão do lado da balança mais frágeis e com mais vulnerabilidades.

Sejamos por isso, os maestros que conduzem a orquestra dos que precisam de caminhos e de pautas para uma saúde mais fortalecida das pessoas, das comunidades e da sociedade.

Nota da autora: Gostaria de deixar expresso o meu profundo agradecimento à Revista Liderança à Drª Sandra Arouca que oferece com generosidade que lhe é própria estas oportunidades de reflexão.