Cláudia desdobra o seu tempo em mil funções – Project Manager numa multinacional, embaixadora de Portugal da Women in Tech, Conselheira da New Women Connectors e mentora no Founder Institute Portugal. Numa área dominada por homens, Cláudia já sentiu na pele a descriminação de ser uma mulher a aspirar a cargos de liderança.
Aos 14 anos, teve o seu primeiro contacto com um computador pessoal, que o seu pai, Engenheiro Mecânico, comprou para a família. “Aquela máquina fez-me despertar para uma possibilidade de interação homem-máquina, em que, com um pouco de imagi- nação, conseguiríamos desenvolver programas que respondiam às nossas necessidades”, relembra Cláudia Mendes Silva. Por causa desse computador, decidiu escolher um curso técnico-profissional de Informá- tica. “Se não vivenciamos experiências, não estamos despertos a conhecer ou reconhecer oportunidades“, afirma a Engenheira. Sem a experiência com o compu- tador durante a altura em que tinha de escolher a área de estudos do secundário, estaria provavelmente em Medicina, curso que os testes psicotécnicos indicavam 98% de apetência.
Na faculdade, escolheu cursar Engenharia Informática, na Universidade de Coimbra. Numa altura em que a profissão era pouco conhecida, no seu 4o ano de licenciatura reconsiderou a sua escolha e até ponderou mudar de curso, porque não conseguia visionar o que faria no futuro. Qual seria o seu papel numa empresa ou como iria aplicar na prática o que estava a aprender? As suas dúvidas foram respondidas no Instituto Pedro Nunes em Coimbra, onde participou em proje- tos reais e teve mentores que a ajudaram a tomar a decisão.
Segundo o EIGE, dos quase 8 milhões de profissionais de tecnologia na Europa, apenas 17% são mulheres. Devido aos estereótipos de género existentes, são poucas as raparigas adolescentes que consideram um futuro na área. Para Cláudia, a solução é desconstruir esses estereótipos nas profissões desde cedo e incluir nos currículos educativos o ensino da computação. “A igualdade de género não será alcançada rapidamente se as crianças continuarem a copiar as normas de género das gerações dos seus pais e avós”, realça.
Apesar de todos os programas para a promoção da igualdade de género nas áreas de tecnologia, os números ainda não estão perto dos desejáveis. “Há vários factores que não se podem isolar, nomeadamente os estereótipos de género que são passados desde cedo quer por base da educação familiar, onde se observam muitas vezes o papel de cuidador às mulheres e da posição de trabalho externo aos homens, mas também, a falta de exposição a modelos de referência”, explica. As crianças sabem o que faz um médico ou um professor, mas tem menos conhecimento da profissão de engenheiro. Apesar de vivermos numa era tecnológica, Cláudia ressalva que são muito poucos os que pretendem fazer parte da área tecnológica ao invés de serem apenas consumidores e utilizadores.
No mercado de trabalho da tecnologia não existem barreiras à entrada ou descriminação, principalmente em casos de posições de suporte à operação. No entanto, a realidade é completamente diferente no que toca a cargos mais altos. “A liderança feminina ainda é questionada pela dedicação à carreira em detrimento do suporte à família. Os últimos números indicam que a mulher em Portugal realiza mais 1 hora de trabalho doméstico, por dia, trabalho não contabilizado e não remunerado, por exemplo”, expõe Claudia. Quanto à parentalidade, acrescenta que apenas 46% dos homens usufruem da licença de parentalidade partilhada.
Cláudia recorda um momento da sua carreira, enquanto gestora de projeto de transformação na área da banca, em que a informaram que tinha sido “um erro de casting”. A justificação: “precisavam de um homem, mais velho e com disponibilidade para viagens.” Já tinha dois filhos e a maternidade foi encarada como um obstáculo ao seu desempenho. “Foi nessa altura que surgiram alguns rasgos de clarividência que o mundo do trabalho é mais igual para uns do que para outros. Foi um acordar para uma realidade que até à época me era desconhecida e foi quando tomei conhecimento que o meu salário era 30% inferior aos dos meus colegas homens, com a mesma função e nível de responsabilidade”, conta.
Noutro momento, quando quis voltar à vida académica e tirar um doutoramento, foi criticada pela gestão da empresa, alegando que não precisava de um doutoramento para desempenhar o seu trabalho e que a sua família precisava mais de si do que Cláudia precisava do Doutoramento.
Atualmente, é Project Manager numa empresa multinacional, onde coordena equipas multidisciplinares diariamente, contactando com muitos contextos e culturas diferentes, bem como tecnologias de ponta – “ é isso que me fascina e motiva no dia a dia”.
Fora do horário de trabalho, é Embaixadora de Portugal da Women in Tech, uma organização internacional que tem como objetivo “educar, equipar e capacitar mulheres e raparigas com as competências e confiança necessárias para terem sucesso numa carreira tecnológica.“ Enquanto embaixadora, cria relações entre entidades governamentais e organizações privadas para criar parcerias, programas e eventos para dar voz às mulheres da tecnologia, em contexto nacional e internacional.
É ainda conselheira do quadro da New Women Connectors, um movimento que pretende integrar as vozes inauditas das mulheres migrantes, apátridas e refugiadas que vivem por toda a Europa. Cláudia re- lembra que a situação pandémica atual veio agravar a crise migratória, resultando numa “ maior discrimina- ção contra os refugiados, num aumento da violência baseada no género e em muitas outras opressões.”
Com três filhos, trabalho full-time, embaixadora e conselheira, é ainda mentora no Founder Institute Portugal. O segredo para conciliar tudo? Organizar o tempo. “Este tipo de trabalho comunitário é feito no meu tempo livre, muito dele enquanto espero o término das atividades extracurriculares das crianças ou ao fim de semana. Existe sempre tempo para conciliarmos o que nos move como indivíduos que queremos fazer a diferença na sociedade onde estamos inseridos”, diz a Engenheira.” Uns vão ao ginásio, o meu hobbie, por assim dizer, é trabalhar por causas.”
Para as jovens que planeiam ou já ingressaram na área das tecnologias, aconselha a procurar comunidades no terreno que possam ajudar com o percurso profissional e, principalmente, encontrar mentores tal como ela encontrou. Experimentar estágios em empresas tecnológicas é também uma boa ideia para perceber que vertente desta área tão abrangente preferem. “E nunca desistam perante um desafio por falta de confiança nas vossas capacidades”, reforça Claúdia.