Rita Veloso, Vogal Executiva do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário do Porto.
Há muito que tenho vindo a partilhar que as lideranças, especialmente no sector público, não se constroem por decreto ou nomeação. As nossas Pessoas assim nos têm ensinado.
Sabemos que efetivamente muitos dos lugares a que poderemos chamar de gestão de topo requerem skills que vão muito além da formação base, formação contínua, congressos, livros, artigos. E que não se ensinam sem ser na verdade sentidas e experienciadas. Aliás, atrevo-me a dizer que todos, enquanto gestores, seremos bastante conhecedores dos conceitos e boas práticas de uma boa liderança. Os extensos currículos demonstram isso mesmo.
Então o que falha? Então o que falta?
Talvez sermos Líderes 360º.
Segundo John Maxwell, na liderança 360º, a hierarquia da organização pouco importa para o líder quando é capaz de se colocar na pele dos outros profissionais, seja o seu diretor, o seu vogal/presidente, colega, estagiário ou empregado de limpeza. O requisito, de acordo com o autor, para alguém ser considerado líder 360º é ser capaz de influenciar pessoas de todas as áreas do seu convívio profissional.
Partindo deste conceito, as “lideranças por decreto” deveriam ser constantemente avaliadas também elas numa lógica 360º, avaliadas pela liderança para cima (influenciando os seus líderes), pela liderança através (influenciando os seus pares) e, talvez a mais importante, pela liderança para baixo (influenciando todos aqueles que, de alguma forma, respondem a nós e tanto esperam de nós).
Competências e valores como a auto-liderança, a coragem moral, a atitude, o respeito, a confiança, a humildade e a coerência, deveriam ser mensuráveis e tidas em conta no momento da decisão de nomear ou manter.
No limite, a nossa derradeira questão poderia ser, estaria eu disponível para seguir o líder que eu sou? Seria eu próprio influenciado por ele?
Antes de mais, influenciar alguém é motivá-lo a fazer algo, por vezes, nunca feito. E motivar, por sua vez, é mais do que dar ânimo: é dar um propósito, propósito para trabalhar a favor de todos os níveis da organização, aprendendo com as pessoas, independente da hierarquia.
Quando em 2009 assumi a Direção de um dos maiores serviços do Instituto de Português de Oncologia do Porto, tinha apenas 27 anos. Não foi fácil. Pela idade, pelo percurso “fora da caixa”, pela formação. A cultura e prática no, que chamávamos então, de função pública também não ajudaram. A típica pergunta sobre “quem são os seus paizinhos?” foi logo colocada numa tentativa de indignificar o meu legítimo lugar. Confesso, não me ocorreu logo uma resposta. Após insistência, dei por mim a pensar, “não será o nome dos meus pais que pretende saber. Talvez seja o nome do meu “padrinho” que me estão a perguntar. Então se “tenho” de ter um padrinho que seja o Presidente. E foi exatamente essa a minha “humilde” resposta.
Estava à vista de que este seria um enorme desafio e, para o qual, me deveria absolutamente entregar. É preciso estar com a equipa diariamente, chegar ao hospital na primeira hora, ter sempre a porta aberta e não pedir aos outros algo que nós próprios não estaríamos disponíveis para fazer.
Como implementar uma mudança cultural profunda em Pessoas que não compreendiam a necessidade de mudar? Sucedeu-se o mesmo na minha primeira experiência como vogal de um hospital. Coerência, justiça, integridade, ética, foram a chave para formar equipas de excelência e que estiveram sempre ao meu lado. Equipas que me acompanham no coração até hoje. Houve claramente um antes e um depois e no meio estivemos todos nós. Todas estas experiências fazem de mim, humildemente, o que hoje sou.
Hoje, na liderança de um dos maiores hospitais portugueses, pode dizer-se que esta “liderança por decreto” é muito mais exigente. Pela sua dimensão, diferenciação e excelências das equipas, é sem dúvida o maior e mais exigente desafio profissional com que me defrontei. E já foram vários. Faz-me, a cada dia que passa, manter mais próxima das Pessoas, mais atualizada para que na verdade possa ser inspiradora para as minhas equipas que são compostas de Pessoas brilhantes, competentes e que desejam o melhor para esta nossa Instituição. E isso leva-nos muita da nossa energia, mas que facilmente é retribuída no ambiente saudável em que vivemos à volta dos nossos projetos com o propósito de melhorar a experiência das nossas Pessoas, dos nossos Doentes e proteger o dinheiro de todos os Contribuintes, que somos, no limite, todos nós.
Como tenho vindo a defender, a liderança não se explica, sente-se. Por muitos discursos que possamos fazer, por muitos livros, artigos ou revistas reconhecidas que possamos ler para aprender mais sobre este tópico, por muitos cursos e workshops que venhamos a frequentar, temos de ter uma grande abertura para realmente aceitar e liderar pessoas que vão saber muito mais do que nós algum dia iremos saber sobre muitíssimos temas, e que podem ter idades diferentes, pensamentos diferentes, e cabe-nos liderar com humildade e, muitas vezes, esta capacidade de ação e envolvimento tem de ser feita também com base na nossa intuição Porque há momentos em que devemos assumir que “Hoje não tem de ser perfeito, mas tem de ser feito”.
Ora, como decerto concordarão, nada disto vem por decreto ou imposição. Nada disto, infelizmente, é verdadeiramente alvo de avaliação. Se assim continuar, não esperaremos poder ser inspiração ou modelos para as nossas Pessoas apenas e só pelo lugar que nos foi confiado. É precisa coragem para a mudança. E deixar efetivamente de nos tentarmos manter a todo o custo nestes lugares. Todos teremos o momento certo e digno para partir, assim como também teremos para chegar.