De Professora de matemática a empresária e agente de futebol feminino

Estrela Paulo foi a primeira mulher a fundar uma agência exclusiva de futebol feminino, agenciando mais de 30 jogadoras e fechando contratos de centenas de milhares de euros. Contudo, a empresária não abandonou a matemática e a educação, continuando a dar aulas e a fazer parte da vertente investigativa e académica do ensino superior.

Para Estrela, o interesse em desporto feminino existiu desde sempre – a mesma, que também é professora, confessou estar muitas vezes rodeada dos colegas que dão aulas de desporto, identificando-se com os mesmos e com as conversas que iam tendo. Na prática, começou neste mundo, em 2006, como adjunta de futsal e em 2010 entende que a sua grande paixão é mesmo o futebol. A empresária começou a observar mais este desporto e chegou à conclusão que fazia “observações bastante precisas”, estando inconscientemente a exercer a função de “olheira” (um termo calão utilizado antigamente para mencionar pessoa que tem como atividade observar desportistas).

Nessa altura só havia um único agente a agenciar as jogadoras do futebol feminino, Luís Silva, e foi por essa razão que Estrela Paulo sentiu, em 2013, que podia “ajudar numa área que estava em deficit”, refere. A professora chegou a colaborar com uma agência, já com o objetivo de ajudar o futebol feminino crescer. Contudo, este papel que desempenhava não era suficiente e olhando para todo o seu percurso, Estrela já vinha a mostrar a sua vertente de empreendedora e de empresária.

Esta foi a principal razão para a empresária criar, em 2016, a sua própria agência, considerando que o futebol feminino precisava de um impulso. Acaba assim por ser a primeira mulher a fundar uma agência dedicada a este deporto – a “TopBaller Sports Management.” Para conseguiu exercer e agenciar jogadoras, teve de obter as licenças federativas algo que conseguiu e, a partir desse momento, nunca mais parou. Estrela foi crescendo no ramo e para além de conseguir fazer crescer o negócio, deu outra visibilidade às jogadoras de futebol feminino.

Hoje, Estrela é mãe, professora, Ceo e agente de mais de 30 jogadoras. No início do último ano (2022) abriu o agenciamento a jogadores, tendo tido um “crescimento exponencial da marca TopBaller”, confessa. A empresária alerta para o facto de o futebol ser uma “indústria gigante, em que o masculino imperou durante décadas”, o que não ajuda a impulsionar o futebol feminino. O mesmo tem “dado passos pequenos, o que em meu entender não é mau, desde que sejam bem dados”, afirma Estrela Paulo.
A professora acredita que o futebol feminino ainda está a percorrer um longo caminho, em que o mesmo vai levar a haver mais oportunidades para as jogadoras, principalmente quando o futebol feminino “começar a gerar mais receitas”, acrescenta.
Estas oportunidades já começaram a surgir, devido principalmente a mudança de mentalidades e a várias iniciativas. Desde 2010, que o número de atletas federadas em futebol e futsal triplicou, contando, atualmente, com 13.239 atletas. Estrela refere que esta evolução dos números foi graças a vários fatores, em que um dos principais é o facto de o futebol deixar de “ser apenas conotado como desporto de rapazes.” Para além disso, foram realizadas várias campanhas de sensibilização, em que a agente destaca a organização sem fins lucrativos “Jogo das Raparigas.”

A mesma é uma associação que pretende contribuir para o aumento da participação de raparigas no futebol e futsal, através da sua divulgação e de uma campanha de âmbito nacional. A mesma puxa para que os pais das próprias atletas as acompanhem. “Hoje em dia, por exemplo, já se assiste aos pais, com vai- dade, a levarem as raparigas ao treino e a acompanharem todos os processos”, explica Estrela Paulo.
A empresária também dá o mérito à federação, que foi lançando várias campanhas e criando “condições às diferentes seleções”, dando o exemplo da “criação de seleções em idade de formação”. A professora também acredita que o surgimento de clubes como “SC Braga, Sporting CP, SL Benfica, entre outros, fizeram com que os olhos dos adeptos também se voltassem para o futebol na vertente feminina”. Desta forma, o futebol feminino foi ganhando novos adeptos, sendo que “quem começa a ver, começa a gostar e apaixona-se”, afirma Estrela Paulo. Esta igualdade de direitos e de oportunidades está a assistir-se cada vez mais, mas ainda existe um longo caminho a percorrer. “Vejo com mais potencialidade o futebol na vertente feminina do que na vertente masculina”, acrescenta a empresária, referindo que já existem marcas, que nunca quiseram estar associados a nome do futebol masculino, a estarem abertas a estar associados a nomes do futebol feminino. O mesmo encontra-se numa fase de conseguir explorar vários mercados e marcar-se pela diferença.

Em Portugal, uma jogadora profissional, que possua contrato de trabalho desportivo, já consegue viver exclusivamente do futebol. Contudo, de acordo com Estrela, as que possuem contrato de trabalho correspondem a 1/3 das jogadoras do campeonato nacional feminino (Liga BPI) e o vencimento “está muito longe da média do que são os da vertente masculina do futebol.”

A empresária acrescenta que ainda não estão criadas as condições para se profissionalizar a liga, sendo que primeiro é necessário assegurar que todas as jogadoras recebam um salário mínimo. Isto não quer dizer que já não existam jogadoras que recebam vencimentos elevados, possibilitando “um bom ́pé-de-meia ́ a quem sabe gerir a carreira”, afirma Estrela. Existe até mesmo exceções de jogadoras a receber mais do que alguns jogadores da primeira liga, em que a agente confessa já ter feito contratos de centenas de milhares de euros. Estas diferenças tão abismais entre contratos do futebol feminino são consideradas normais, sendo que o desporto teve e ainda tem de ultrapassar obstáculos geracionais que o futebol masculino não ultrapassou. Até há pouco tempo só eram realizados contratos de uma temporada, mas agora já se assiste a renovações de 3, 4 ou até 5 anos. Os clubes começam a mudar o seu pensamento e a assumir as jogadoras que demonstram o seu valor ao longo da época, mas para isso os mesmo também têm de fazer grandes esforços financeiros, considerando que o futebol feminino ainda apresenta um lucro bem mais inferior ao masculino e como Estrela referiu necessita de começar a “gerar mais receitas.”

O futuro está em conseguir que as entidades, as marcas, os clubes e os próprios adeptos não defendam só a igualdade de género, mas ajam perante tal, de modo a que o futebol feminino cresça mais rapidamente e se possa equiparar à liga masculina. Estrela Paulo deixa às futuras jogadoras de futebol e futsal “uma mensagem de força e sobretudo de esperança no futuro, que só pode ser risonho.”

Estrela aproveita o momento para homenagear as atletas que fizeram o desporto feminino crescer. E são estas novas gerações que devem lutar para atingir os seus sonhos, não deixando que nenhum obstáculo “possa ser maior do que a vontade de serem jogadoras”, acrescenta a agente.

A empreendedora é também professora e licenciou-se em Matemática, podendo dizer que foi uma das suas melhores decisões, sendo que é apaixonada pela área. A mãe também a incentivou a seguir esse caminho, o que a ajudou ainda mais: “juntei o útil ao agradável, numa altura em que era importante saber escolher”, confessa.
Durante o seu percurso no ensino superior fundou a tuna feminina e assume que viveu “intensamente a vida académica”, acrescentando que não seria surpresa se voltasse à faculdade depois de terminar o curso. E assim foi: no ano em que o terminou, Estrela foi convidada a ficar como professora assistente, tendo iniciado o doutoramento no ano seguinte. É assim que a empresária dá início a uma carreira académica e de investigação, confessando que lhe “fascina, porque entendo que é através dela que conseguimos melhorar as nossas práticas e sermos mais e melhores”. Atualmente, Estrela é professora no Instituto Europeu de Estudos Superiores e acredita que para lecionar matemática é necessário haver paixão e entusiasmo, tornando as aulas mais leves e aliciantes. Sendo professora de cursos de formação de professores, o modo como a empresária leciona já é um exemplo a seguir pelos seus alunos, mas a mesma não deixa de lhes dizer que a paixão é o principal mote para se ser um bom professor– “não podem ser bons professores de matemática se não tiverem paixão pela disciplina e pelo ensino”, refere Estrela Paulo. Isto aplica-se também ao seu papel como agente, sendo que também assume uma grande paixão pelo futebol feminino. No ensino superior, para além de professora, a agente é sempre eleita para ser membro dos órgãos de decisão, do conselho pedagógico e do conselho técnico científico. Para além disso, há 12 anos que é provedora do estudante (é desafiada a candidatar-se pelos alunos) e considera este cargo bastante desafiante, uma vez que está a representar os estudantes e “tenho de ter a coerência e o equilíbrio necessário para tomar as melhores decisões quando algum assunto me chega”, explica Estrela.