Quando eles nos querem empurrar
por Ana Bravo
O discurso é verdadeiro, mas estafado. Depende das profissões. Depende das mulheres. E depende dos homens. O discurso acentua sempre a dificuldade que as mulheres têm em impor-se num mundo feito à medida dos homens e do enquadramento em que nós, mulheres, decidimos permanecer. Eles dizem que vencemos pelos nossos atributos. Ou que vencemos pela falta deles.
Aí vão as minhas horas do dia. Em síntese. Parece uma coisa banal. Olham para nós, para mim e tiram-nos a pinta pela exposição a que nos sujeitamos.
Levanto-me às seis da manhã. Vou ao ginásio. Publico fotos e vídeos nas redes sociais. Muitos esperam esse primeiro pedaço de mim. O pequeno almoço. Foto. O dia, a partir daí, é sempre a correr. A merenda da manhã. Foto. “E o vosso almoço, partilham?” Foto.
Nova corrida, nova viagem. Alegria no passeio – é importante sorrir e estimular a boa disposição. Foto. Merenda da tarde. Foto. Trabalho na clínica. Foto. Lanche da tarde. Foto. Viagem no carro. Foto. Chegada a casa. Foto. “O que vão jantar? Foto. Pelo meio, viagens entre Porto e Lisboa, dias corridos com Pacientes e as suas ansiedades e angústias. Que me sossegam e me escutam e seguem os conselhos que, como nutricionista, lhes dou. No fim de contas, é tudo a pensar neles. Nos intervalos escrevo o novo livro, cuido dos artigos para o blog, supervisiono as receitas Nutrição com Coração e controlo a edição dos vídeos. E ainda não cheguei ao fim de semana. Fotos. E vídeos. Procuro ser um bom exemplo e estimular para um estilo de vida saudável, para uma vida feliz. Sei que mudo a vida de algumas pessoas, mas não tantas quanto gostaria. Os seus testemunhos, mensagens privadas, cartas e abraços são um incentivo. Imenso! Sei que estou a fazer bem o meu trabalho. Vale a pena dedicar-lhe a grande maioria das minhas horas.
Persisto. Olham para nós como coisas banais, com pouco mais para dar do que aquilo que mostramos. É a nossa maior fragilidade, mas também a nossa maior força, num mundo em que somos catalogadas como boas ou abrunhos. Bonitas ou feias. Burras ou inteligentes. E estes dois epítetos, sempre alinhados com os adjectivos pejorativos. Façam as ligações.
Na verdade, a primeira grande lição da liderança, seja ela no feminino ou no masculino, mas sobretudo quando se escreve no feminino, é não termos medo de sermos quem realmente somos. Não termos medo de seguir o nosso caminho, de estarmos completamente entregues à nossa missão, dando opiniões, partilhando ideias. É por isso que as pessoas nos seguem. Porque acreditam. E como hão-de acreditar se nós não acreditamos?
Desde que terminei o curso, em 2004, tenho trabalhado horas e horas, feliz. Enquanto as oportunidades não me preenchiam as horas, fazia voluntariado. Numa altura em que não se dispunha de informação tão facilmente, estudava rótulos nos corredores do super-mercado. Ia para casa e experimentava receitas, procurava novos ingredientes, repetia até chegar a algo que também agradasse o palato. Sinto que sempre lutei – muito – por tudo o que conquistei. No meu caso, tantas vezes tudo se desmoronou mesmo no último passo que me permitiria alcançar um projecto que muito ansiava. Nunca desisti, com força redobrada acabei sempre por lá chegar.
A liderança tem a ver sobretudo com essa capacidade de criar impacto na vida das pessoas. De influenciar o rumo que tomam. Dentro das nossas organizações. Ou fora. E essa capacidade não vem com títulos ou posições hierárquicas. Vem com autenticidade. Sermos autênticos, mesmo quando nos estafamos com os rituais do dia a dia. Mesmo quando nos estafam com a aparente falta de mundo interior que os nossos dias perenes aparentam.
Ser autêntico. Foto. Nos bons momentos e nos maus momentos ser humilde. Foto. Não ter medo de pensar diferente. Nem de expormos apenas uma pequena parte de nós. De nos reservarmos para ajudar os nossos Pacientes.
Ser líder, ser líder mulher, significa muito pouco se não conseguimos fazer com que os outros acreditem na nossa missão. Feita de incompreensões e desapegos. De mundos interiores que fazem de nós aquilo que realmente somos.
Ser líder, fazer com que os outros acreditem, é uma jornada solitária. Sem foto.