A primeira portuguesa com estatuto de sócia numa grande consultora francesa

Élia Ferreira Deloitte France (Photo by Francois Durand/Getty Images for Deloitte)

Depois da primeira viagem a Paris, com apenas nove anos, Élia prometeu voltar.Voltou mais duas vezes, até se instalar definitivamente, mas o sonho de morar em Paris tornou-se pequeno para as conquistas que Élia somaria ao currículo com a conquista das áreas M&A e da tecnologia.

Ainda que há primeira vista o currículo de Élia não o deixe imaginar, esta líder por pouco não se tornou uma artista plástica.
Terminado o ensino secundário na Escola Artística António Arroio, Élia entrou para a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, mas a necessidade de “uma atividade intelectual mais intensa” fê-la repensar este percurso. Pelo desafio intelectual, e por ser uma das suas disciplinas preferidas, decide então pela licenciatura em matemática.

Certo é que os anos de “estudo afincado” levaram-na a cumprir o sonho de voltar a Paris, enquanto uma das primeiras alunas do programa Erasmus na Université Pierre et Marie Curie – uma experiência que Élia admite ter sido árdua, tanto por culpa da própria, por não estar preparada, como por culpa do ambiente universitário pouco acolhedor.

Por muito que os pais não tivessem gostado da ideia, Élia volta a França mais uma vez, com a coragem renovada, e alguma experiência em investigação e docência no ISEG, para fazer o mestrado em administração de empresas, em Aix-en-Provence.

Mas, na verdade, mais do que o percurso académico, o objetivo da líder era já instalar-se em França e foi isso que aconteceu.

O primeiro emprego, na Laphal Industries, uma empresa do setor farmacêutico foi a porta de entrada para o que seria o início da sua vasta experiência na área da tecnologia. Ainda trabalhava na área financeira quando a oportunidade de fazer parte de uma operação de cessão a levou à análise de atividade e lhe despertou o interesse pela arquitetura das bases de dados. Daí “a tomada de consciência sobre o papel da tecnologia na atividade das empresas, no funcionamento das organizações e das estruturas sociais” levou-a à consultoria em estratégia de sistemas de informação, acrescenta.

Passou pela direção dos sistemas de informação na Laphal, pela Capgemini Consulting, enquanto consultora, mas foi na PwC que a oportunidade de criar a sua primeira equipa de fusões e aquisições (M&A do inglês mergers & acquisitions) no setor tecnológico aconteceu.

Já tinha feito parte de alguns projetos de fusão ou de separação, que se veio a aperceber mais tarde, mas nunca como líder do departamento direcionado exclusivamente para o setor tecnológico.

As oportunidades foram surgindo, especialmente naquela altura, em 2008, quando os “aspetos tecnológicos eram insuficientemente abordados”, reflete, e a área de expansão seguia a evolução tecnológica que era ilimitada.

Para a líder, “o contacto com as pessoas”, o esforço em comum para ganhar, é o aspeto que mais aprecia no seu trabalho.

É claro que os sistemas que desenvolve assentam em tecnicidades, que domina e aprecia, mas a oportunidade de negociação com as várias expertises – jurídicas, financeiras e operacionais – tornam estes processos “apaixonantes” com “sentimento muito gratificante”, diz.

Tornar-se, então, a primeira mulher com o estatuto de sócia na Deloitte França exige não só muito contacto humano, mas a “capacidade de intervir em muitos tipos de interações”, em várias ocasiões com equipas, colegas e clientes, e “uma certa intuição das tendências e capacidade de motivação e regeneração”, remata.

Dos vários papeis que se propõe jogar, Élia revê-se bastante no contacto com o cliente, a sua principal atividade, onde aconselha na compra e venda de empresas, um processo transversal, desde o planeamento até à execução.

“Fusões e aquisições sempre me pareceu uma área exigente, aventurosa e de alto nível, por isso quando me propuseram ingressar neste tipo de atividade, não hesitei!”

 

Desde que entrou para a Deloitte, em 2016, Élia já participou do processo de fusões e aquisições multimilionárias, envolvendo valores entre os 20 milhões e os 20 mil milhões de euros. Algumas delas são a aquisição da Air Liquide Welding pela Lincoln Electric (2017), da XL Catlin pela AXA (2018) e da Areva pela EDF que deu origem à Framatome (2018), entre outras.

É trabalho exigente que já lhe rendeu mais de 250 operações com sucesso, 2 prémios de excelência atribuídos pelo CEO Mundial da Deloitte pelo reconhecimento de contribuições excecionais (2019 e 2021) e o mais recente prémio “Excelência em Liderança” (2022) atribuído pela Consulting Magazine que reconhece anualmente 50 lideres mundiais em consultoria.

À parte de uma carreira de 24 anos, Élia é casada e mãe de gémeos, interessa-se por meditação, nutrição e, como não podia deixar de ser, arte.

Nas palavras de Élia, “a arte sempre teve e continua a ter uma grande importância” na sua vida, se não a criar, a inventar, a combinar, a imaginar, e na sua profissão, também – “tenho uma grande satisfação de ter encontrado um caminho e uma atividade que combina tudo!”, acrescenta.

Para além da liderança do serviço de M&A em Tecnologia, Digital e Cyber, Élia soma, naturalmente, a responsabilidade de figura-mãe da atividade, que criou há 15 anos.

Em Portugal, nos últimos dois anos, participou da montagem e financiamento de dois centros mundiais da Deloitte para a Tecnologia e 5G, alargando a equipa para outros distritos portugueses.

Quando volta a Portugal a lazer, em ocasiões que precisa de acomodar a cultura, a saudade e o orgulho, Élia revê ambientes da infância e da juventude.
Em França, tem o seu pequeno mundo lusitano – os pais, amigos e sócios ao telefone, os dois filhos, com quem fala em português, a governanta e a porteira, também emigrantes.

Na área que cruza a sua casa, a igreja que abriga uma Nossa Senhora de Fátima e uma estátua de Eça de Queirós, Élia sabe que o sabor do seu sucesso é partilhado – deve-o também às expectativas e ao caminho de muitos outros portugueses.

Para Élia, uma líder de sucesso é feliz e realizada, orgulhosa dos seus contributos, alinhada nos seus valores e em paz com a sua consciência.

“Depois de todos estes anos, penso que o sucesso é sobretudo uma forma de serenidade e de entusiasmo contagiantes!”

 

Ser mulher e fazer parte do mundo das fusões e aquisições e da tecnologia, duas áreas predominantemente masculinas, é parte dessa felicidade.

Para Élia, o sentimento de conquista vem com um gosto de pioneirismo porque, acima de tudo, quando precisava, não existiam exemplos de mulheres no negócio que a líder pudesse seguir, então, ser mulher numa função de topo e ter opinião nem sempre teve o final que desejava.

O maior desafio veio quando engravidou, há 12 anos. À Executive Digest, Élia confessa que sentia a dúvida, sobretudo dos chefes, a pairar sobre si e as suas capacidades, nunca dos seus clientes e equipas  – “Curiosamente, os meus clientes sempre me apoiaram e estou-lhes infinitamente grata”, confessa.

Hoje, a líder já não sente essa pressão, mas envolve-se nas discussões e é vocal acerca do assunto, nomeadamente numa campanha de comunicação global que visa a dar a conhecer a sua profissão e inspirar vocações.

Às mulheres, mais novas, com menos experiência, pede para que insistam – “o mundo precisa da nossa forma de colaborar, de pensar, de criar e de inventar”, acrescenta.

Pede para que aproveitem o caminho já palmilhado e vão mais longe, mais depressa e com mais confiança.

Quando lhe perguntamos quais são os seus planos para o futuro, não hesita:

“Continuar a acreditar que o melhor está para vir!

Fazer planos e estabelecer objectivos é uma coisa que dá imensa energia e me ajuda a atravessar os momentos difíceis. Desenvolver-me e aprender coisas novas, ser ainda mais eficaz. Pôr as minhas competências ao serviço dos outros e melhorar as suas vidas.”