QUANDO A MULHER AMBICIONA, NÃO HÁ FRONTEIRAS QUE A IMPEÇAM DE VOAR MAIS ALTO

Sílvia Inácio, Cônsul-Geral de Portugal em Xangai

Foi Portugal quem a viu nascer, crescer e enveredar pela diplomacia, mas já há muito que Sílvia Inácio colocou um pé fora do nosso país. Desde Timor-Leste a Xangai, a líder já exerceu vários cargos em vários países, provando que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

Quando Sílvia Inácio entrou no mundo universitário, no curso de Línguas e Literaturas Modernas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, tinha como objetivo seguir a vertente de ensino. Nas suas palavras, “tive a sorte, enquanto crescia, de ter educadores que me influenciaram positivamente com o seu exemplo de dedicação ao ensino público”. Durante a licenciatura, foi possível escolher algumas disciplinas opcionais, o que a conduziu à unidade curricular de Política Externa Norte-Americana. Sílvia revela que foi nesse momento, também pelo modo apelativo como a sua professora lecionava esta matéria, que se viu “fascinada pelos temas de relações internacionais e das subtilezas de linguagem da diplomacia”. Assim, quando deu o curso por terminado, optou por rumar ao país vizinho, onde se especializou em Estudos Europeus.

A sua entrada na área da diplomacia deu-se, de facto, em 2007, tendo antes cumprido o sonho de se aventurar pela vertente do ensino de línguas, e atuando no setor empresarial, no ramo das exportações. “A minha passagem pela área das exportações só reforçou a vontade de trabalho no domínio internacional, pelo que me apresentei, à primeira oportunidade, ao concurso de acesso à carreira diplomática”, declara. Ao entrar na área diplomática, a primeira experiência de Sílvia deu-se na Direção de Serviços da Ásia e Oceânia, do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O primeiro posto no exterior foi enquanto Encarregada da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Díli, Timor-Leste, que serviu para aumentar a sua bagagem de conhecimento e do qual diz guardar ótimas recordações. Posteriormente, a líder trabalhou em Bruxelas, na Representação de Portugal junto da União Europeia – REPER, enquanto “Mertens” (jargão da União Europeia para descrever uma posição de “chefe de gabinete” do/a Embaixador/a que ocupa o cargo de Representante Permanente Adjunto/a).

Nos tempos conturbados e exigentes da pandemia da COVID-19, período que coincidiu ainda com a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia de 2021, Sílvia exercia funções de adjunta no gabinete da Secretária de Estado dos Assuntos Europeus. Após esta jornada, seguiu-se o seu atual destino, enquanto Cônsul-Geral de Portugal em Xangai, onde tem a oportunidade de operar em várias dimensões em simultâneo: consular, cultural e económica/turismo.

“As mulheres diplomatas, de maneira espontânea e informal, sempre criaram um grupo coeso e dinâmico que se junta frequentemente para debater questões sob um ponto de vista feminino”

Nos postos por onde tem passado, Sílvia Inácio afirma que “as mulheres diplomatas, de maneira espontânea e informal, sempre criaram um grupo coeso e dinâmico que se junta frequentemente para debater questões sob um ponto de vista feminino”, procurando igualmente contribuir para iniciativas que promovam a igualdade de género e o empoderamento feminino. Foi o que se sucedeu neste último Dia Internacional da Mulher, onde as Cônsules-Gerais em Xangai se associaram a eventos promovidos localmente, dedicados ao tema do empreendedorismo no feminino. Este é um tópico de extrema relevância, visto que Xangai representa o centro económico e financeiro da China, com um mundo de negócios pujante. A Cônsul acrescenta que “o corpo consular, Consulado Geral de Portugal em Xangai incluído, assinalou também o dia através de publicações informativas nas principais redes sociais chinesas”. Segundo Sílvia Inácio, “a carreira diplomática proporciona experiências bastante diversas e que permitem desenvolver várias competências, portanto o nível de desafio mantém-se sempre elevado, até porque estamos constantemente em movimento, vivendo e trabalhando em vários países”.

No entanto, destaca a sua experiência na REPER, em Bruxelas, como aquela que mais a marcou quanto à importância de pensar politicamente (na aceção dos interesses estratégicos nacionais do país) e, sobretudo, da coordenação, porque o seu trabalho envolvia pastas de diversas áreas governativas. A líder costuma dizer que “a coordenação é uma arte”, e pensa que não é exagero, pois “é uma qualidade a não descurar”. Os temas interligam-se cada vez mais e cada vez há mais entidades envolvidas num processo, “tornando essencial manter o diálogo a fluir, evitar más interpretações, manter o interesse em alta e ajudar todas as partes a olhar para a ‘fotografia’ globalmente, sem cederem à tentação de se entrincheirarem demasia- do nas suas posições ou coutadas”, afirma. A Cônsul assegura ter retirado lições desta experiência que a têm auxiliado muito na sua vida profissional.

“É preciso não esquecer que as mulheres apenas puderam ingressar na diplomacia portuguesa após o 25 de abril de 1974.”

Enquanto mulher num cargo de liderança, Sílvia Inácio refere que, felizmente, nunca se sentiu prejudicada ou viu a sua capacidade para o lugar ser questionada. Contudo, cabe notar que Xangai, posto aberto em 2006, não tinha tido ainda, antes da sua chegada (em 2022) uma Cônsul-Geral. Assim, crê que é importante ressaltar que, globalmente, a carreira diplomática enfrenta os atuais desafios de sub-representação feminina.

Por esse mesmo motivo foi concebida, em janeiro de 2023, a “Mud@r – Mulheres Diplomatas em rede”. Trata-se de uma rede informal de mulheres diplomatas portuguesas que visa sensibilizar e promover a paridade de género na carreira diplomática, assim como a adoção sistemática de uma perspetiva de género na política externa portuguesa. Sílvia Inácio atenta ainda que “é preciso não esquecer que as mulheres apenas puderam ingressar na diplomacia portuguesa após 1974”. Dessa forma, considera relevante “dar visibilidade à ‘diplomacia no feminino”, continuando a chamar a atenção para questões como “o equilíbrio na atribuição das chefias de missão (menos de 30% das chefias de missão no estrangeiro são asseguradas por mulheres, com um défice crítico nos postos estrategicamente mais relevantes para Portugal)” e na atração de mais mulheres para a carreira diplomática. Para este último ponto, Sílvia sugere, por exemplo, a promoção de “mais políticas de apoio ao equilíbrio entre a vida profissional e familiar”.

“A minha noção de líder não contém o conceito de perfeição.”

Num panorama que, como tantos outros da sociedade atual, é predominantemente dominado pela ala masculina, a mulher, para conseguir ascender, necessita de ser exímia. Mas a definição de liderança de Sílvia Inácio é um pouco diferente dessa construção. “A minha noção de líder não contém o conceito de perfeição”, assegura, salientando que inclui antes dois atributos que encara como principais, “o equilíbrio e a capacidade de articulação”.

Na sua ótica, “encontrando o ponto de equilíbrio, o que exige comunicação e – volto a sublinhá-lo – sentido de coordenação, deverão estar reunidas as condições para mais empenho e sentimento de propósito no local de trabalho”. É da opinião de que ninguém poderá fazer tudo sozinho, pelo que é difícil “perseguir uma estratégia de ser a sua própria ‘ilha’”. A Cônsul crê que, em qualquer campo profissional, é fundamental assimilar esta linha de pensamento, “especialmente na rede externa da diplomacia”, onde se lida com temas muito variados e existem vertentes distintas a acompanhar dentro de cada embaixada ou consulado.