Valores e decisões no ADN da People (Ac)Counts

LILIANA RODRIGUES EMPRESÁRIA E CEO DA PEOPLE (AC)COUNTS Créditos: Sandra Marques @blinkyou.photo

Ao fim de 14 anos como profissional de Recursos Humanos e a trabalhar em escritórios de contabilidade, Liliana Rodrigues juntou o útil ao agradável e criou a sua própria empresa de contabilidade, gestão de recursos humanos e consultoria – a People (Ac)Counts. Como o nome indica, o foco está nas pessoas e nos seus negócios e por detrás ainda estão os números, ou seja, a contabilidade.

Liliana Rodrigues nunca pensou nem ambicionou chegar a CEO da sua própria empresa. Isto porque sempre se viu como uma mulher simples, com medo de arriscar, aceitando só os desafios que a fizessem sentir segura, ou seja, “desafios comedidos”, afirma. Liliana acredita que estas suas caraterísticas provêm das suas origens e da forma como cresceu – viveu num bairro social, na casa dos avós até aos 9 anos, apesar das dificuldades financeiras de seus pais esforçaram-se para que a filha se tivesse licenciado. Liliana cresceu rodeada de animais de quinta e viveu uma cultura de subsistência (aproveitar tudo o que a terra lhes dava).

A CEO sempre se sentiu “conectada à natureza” e todo este seu percurso levou-a a ser mais simples, humilde e ter uma capacidade de sonhar. Liliana sempre quis passar estes valores à sua filha e já o conseguiu, sendo que esta gosta de viver tanto no campo, como na cidade e, apesar de ser muito nova, já lhe reconhece capacidades de gestora e empresária: “Gestão monetária, Marketing, definição de preços, criadora de canal de Youtube… bem diferente das minhas bases e ambições nessa idade”, acrescenta Liliana.

Apesar de agora ser apaixonada pela área de Recursos humanos, a empresária não escolheu o curso correspondente por já ter nele um grande interesse, mas por considerar que interligava áreas que a aliciavam, tais como sociologia, psicologia e gestão. E por que não escolheu nenhum desses cursos? Porque, no ano em que se candidatou à faculdade, os mesmos não tinham muita saída profissional.

Depois de se ter formado, Liliana nunca mais deixou a área de RH (Recursos Humanos) e sempre trabalhou em locais que a fizeram descobrir novos gostos e paixões. A empresária começou o seu percurso profissional numa empresa de contabilidadeo “Grupo Moneris” (empresa de contabilidade), como técnica de RH, e trabalhou num open space, ao lado de advogados. Foi aí que Liliana ganhou o gosto pela “legislação laboral e equidade”. Nos anos seguintes, a CEO trabalhou em diferentes escritórios de contabilidade, o que lhe permitiu conhecer e lidar com diferentes áreas de atividade, identificando as suas especificidades e diferenças.

“Afinal, não é apenas o SER HUMANO que é único! Também cada negócio o é”

Liliana foi acumulando experiências e conhecendo novas áreas, dedicando-se sempre ao trabalho e nunca se conformando com determinadas situações. A empresária referiu que não consegue trabalhar num ambiente no qual não se identifica e, por isso mesmo, foi mudando de local de trabalho sempre que não concordava com algo. “A minha frontalidade e espírito não conformista nem sempre facilitou a progressão”, explica. Liliana nunca aceitou que, por ter um cargo de chefia, devia ter regras organizacionais dos restante colaboradores e que os mesmos também não podiam ter conhecimento de determinadas estratégias da organização.

A CEO não entende como as pessoas poderão fazer a sua parte se não estão envolvidas na estratégia da empresa. Quando Liliana fica responsável pelo departamento de RH de escritórios distantes uns dos outros e com equipas que tinham métodos de trabalho muito distintos, a mesma apercebe-se que tem uma grande capacidade de “uniformizar culturas organizacionais e métodos” e entende a importância de haver um constante contacto que vai desde o fornecedor até ao cliente. É nesta altura que a sua equipa a incentiva a ter o seu próprio projeto, vendo nela capacidades para tal: “é engraçado como as pessoas viam-me mais neste papel do que eu própria”, afirma.

“SUCESSO DEPENDE DA IDEIA DE ́SUCESSO ́ DE CADA UM”

Desde muito nova que a CEO teve de aceitar funções em que não se sentia confortável, mas que a fizeram desenvolver, da forma como queria, determinadas competências. Para Liliana, o seu maior desafio profissional foi gerir um processo de despedimento coletivo no início da sua carreira. A profissional de RH, com 24 anos, teve de despedir pessoas com quem convivia e “que tinham idade para serem meus pais”, acrescenta. Nestas alturas, as emoções vêm ao de cima e, para Liliana, é impossível não se sobreporem ao racional, principalmente nestas situações devemos ser empáticos e ter a sensibilidade na comunicação.

A CEO acredita que os RH deviam ser o coração de uma empresa, mas nem sempre o é e nem todos pensam dessa forma. Liliana teve de aceitar que nem todos tinham o mesmo “mind set” e que para o mudar iria levar muito tempo, algo que não estava disposta a dar. A empresária confessa que se cruzou com muitas mentalidades “machistas e antiquadas”:

“Cansei de ouvir é paga para fazer, não para pensar, mas porque está a reportar essas situações dos seus colegas, se nem é abrangida por elas? ou agora engravidou, não a vou poder promover quando a empresa era gerida por uma mulher.”

Durante muitos anos, a profissional de RH teve de lidar com estas situações e a tentar mudar mentalidades, mas a mudança não é rápida e pode até ser desgastante. Foram todas estas razões que a levaram a ter, hoje, a sua própria empresa – a People (Ac)Counts. Contudo, Liliana, tendo receio de tomar esta grande decisão, teve de ter alguém que a lançasse nesse projeto e essa pessoa foi o seu marido. Ele criou a empresa em seu nome e depois entregou-a a Liliana para a gerir.

Os valores e decisões que definem a People (Ac)Counts”

Todo o processo começa em 2019, quando a CEO se despede do seu antigo trabalho por se ter apercebido que estava esgotada: gerir um departamento com várias equipas e 4 escritórios em sítios diferentes do país, 400 clientes, assegurar a sua própria carteira de clientes e passar muito tempo ausente de casa. Apesar de terem surgido novas propostas, Liliana não se sentia bem para abraçar novos desafios e via-se “cansada do mundo corporativo”. É em casa que toda a magia acontece e a empresária vê-se a delinear o projeto, fazer todo o plano de negócios, analisar o mercado e projetos financeiros, entre muitas outros planos.

Tudo começou pela definição do nome, que se demonstrou bastante complicado e teve de ser muito trabalhado para conseguir transmitir a identidade da empresa que Liliana pretendia criar, ou seja, o foco nas pessoas e a ligação com a contabilidade. As pessoas sempre vão ser o mais importante para Liliana e por isso aposta nas suas relações, sendo que considera que um negócio é feito de colaboradores, fornecedores, clientes e parceiros. No entanto, a contabilidade tinha de estar presente de alguma forma – a CEO considera que um gestor não consegue tomar uma decisão ou fazer um planeamento sustentável se não tiver noção dos números.

Apesar de a definição do nome já ser considerado o primeiro passo, a CEO não se sentia segura a dar o passo mais importante – criar mesmo a empresa e em plena pandemia, e é aqui que o marido decide ajudá-la a avançar.

“Concentramo-nos nas pessoas e depois os números serão o nosso apoio para o resto”

A People (Ac)Counts é uma empresa de contabilidade e gestão de recursos humanos, algo que faz todo o sentido, tendo em conta a formação e experiência profissional de Liliana.

A empresária sempre teve como ideia inicial a consultoria e o asseguramento de processos de RH noutros escritórios de contabilidade: “Pela minha carreira, percebi que nem todos escritórios de contabilidade estão aptos para os desafios laborais que implica, por exemplo, a emissão de um recibo de salário”, explica. Liliana acrescenta que não é uma ideia fácil de ser aceite em todos os escritórios e que, por esse motivo, só tem parceria com três empresas que acreditam neste sistema de salário. É necessário conseguir construir uma relação de “confiança e mútuo respeito”.

A empresária explica que a People (Ac)Counts assenta em transparência e comunicação, tanto externa como internamente. A empresa desenvolve uma mentalidade de que todos são necessários e, por isso, adotam a teoria “liberdade versus responsabilidade”, que recai em não haver um horário fixo. A gestão de horário é feita por cada um dos colaboradores, tendo em conta “compromissos e prazos legais”, explica. Liliana preocupa- se com a saúde mental de cada um dos seus trabalhadores e com o tempo que passam em família, o que se traduz em, no verão, fazerem um horário mais curto.

Aliada à transparência está a comunicação, principalmente a comunicação transparente e simples, ou seja, toda a equipa está a par da estratégia e de quais são as metas a alcançar e o cliente sabe quais são as suas dificuldades, feitos e objetivos da empresa. Esta ideia de comunicação simples também pretende facilitar a forma como é lido o negócio e tornar tudo mais simples para o cliente, não utilizando termos técnicos, por exemplo. Para além disso, a equipa está sempre contactável por WhatsApp, não sendo necessário marcar uma reunião para falar com eles. O objetivo passa por tornar a empresa num parceiro estratégico dos clientes, acompanhando todo o projeto: “criamos toda a estratégia, disponibilizámos  a legislação e requisitos obrigatórios para a abertura e também estamos lá quando decidem fechar”, acrescenta. Para além deste constante acompanhamento, a People (Ac)Counts mantém sempre o contacto com o cliente e pede com frequência avaliações e sugestões do seu trabalho, de modo que possam melhorar o seu serviço. Liliana considera que é desta forma que obtêm resultados consistentes e um relacionamento duradouro com os clientes e confessa que se estes não a contactarem durante algum tempo, ela própria faz esse contacto.

Para a empresária, o que diferencia a empresa das restantes é o facto de estar à frente do escritório um profissional de RH e não de contabilidade. Mais uma vez, reforçando o valor das pessoas, Liliana explica que gostam de ter proximidade com o cliente – “nós queremos SER e não PARECER” e, por esta razão, preferem apostar num marketing de “passa a palavra”.

Somando às suas principais tarefas de RH e contabilidade, a People (Ac)Counts trabalha a área digital e a automatização, de modo a permitir que cada cliente tenha uma área reservada, protegendo os seus dados. No entanto, Liliana confessa que ainda falta percorrer um caminho na direção desta segurança de dados, seguindo, como modelo, a regulamentação de proteção de dados. Futuramente, a CEO gostaria que a People (Ac)Counts fosse certificada em segurança e proteção de dados, algo que já está a ser trabalhado e está para breve.

A aposta em si mesma e no que a apaixona

O primeiro ano da empresa foi o mais desafiador para Liliana, que se viu a ter de angariar clientes de raiz, não tendo recorrido a contactos de clientes de antigos trabalhos. A CEO confessa que aprendeu muito e conheceu-se melhor a si mesma, tendo finalmente abraçado todas as áreas profissionais e não só RH. É já depois de ter criado este projeto próprio e estando a desenvolvê-lo que Liliana decide fazer um curso de “Certificação de competências pedagógicas e Webformador”. Apesar de já ter dado formação e ter formado muitos estagiários no passado, a CEO considerou essencial especializar-se na área e aproveitou a pandemia para tal. Para além disso, considerou importante, para gerir a sua empresa, realizar um curso de “Marketing Digital e Ecommerce”, uma área do qual não tinha muito conhecimento.

Apesar de Liliana ter agora uma empresa para gerir, a mesma continua a assumir funções de RH: “Continuo a fazer salários, a assegurar todas as tarefas de RH da carteira de clientes, a coordenar a gestão e contratos com fornecedores, bem como angariar clientes.” Contudo, a CEO também sentiu necessidade de recorrer a serviços de outsourcing para as redes sociais e ter a ajuda do marido no “controlo financeiro/cobranças e gestão do site”.

Com todo o processo que envolve gerir uma empresa, Liliana revela que a sua maior ambição é conseguir ter uma estrutura que lhe permita ter um equilíbrio entre a empresa e a família, podendo dedicar mais tempo à vida pessoal e familiar.

Líder do seu negócio, a CEO nunca se viu como líder e ressalta que ser empresária e ser líder são coisas muito diferentes. Como mulher, Liliana vê o mundo empresarial muito mais acessível para o seu género, apesar de lhe serem colocados mais desafios do que aos homens. As mulheres cada vez se unem mais e até já são criados grupos de networking de empreendedoras ou de empresárias. Liliana Rodrigues considera que, para uma mulher ser uma líder de sucesso, tem de apostar na sua formação e inteligência emocional – esta última é importante na medida em que é necessário manter a empatia, mas sempre sabendo gerir as emoções que estão por detrás e manter a nossa capacidade de gestão/empresária.

“As mulheres têm muitas caraterísticas que as poderiam fazer dominar o mundo”

É perante este lema que Liliana se sustenta e alia, ao mesmo tempo, a paixão pelo que faz. A CEO diz às mulheres que ambicionam ser líderes para apostarem naquilo que as apaixonam e só fazer isso já traz 50% de sucesso. Para conseguir os outros 50% é essencial investir em novo conhecimento e estar constantemente a aprender, apostar em networking e “insistam, persistam! Errar faz parte do percurso, adaptar não é desistir”, acrescenta. Por fim e o mais importante para Liliana, que partilha da mesma ambição, não abdicar da vida familiar, independentemente da pressão a que estiverem expostas.