“As mulheres na arquitetura estão muito bem representadas”

Há gabinetes de arquitetura que desde a sua génese marcam a diferença e promovem mais valias em todos os aspetos da sua orgânica, assumindo-se como elementos impulsionadores de uma forma de estar distinta perante o mercado através da criatividade, excelência e diferenciação.

Maria Manuel Alvarez é sócia fundadora da SERRALVAREZ ARQUITECTOS, atelier que se associa a profissionais das áreas de engenharia, arquitetura paisagista, escultura e pintura realizando projetos coordenados na área do planeamento urbano, arquitetura e interiores e conta com um espólio de prémios recebidos como a Menção Honrosa Prémio Valmor e Municipal de Arquitetura em 2006 e 2008 e Menção de Honra Prémio Nacional de Reabilitação Urbana 2016. Acredita que a arquitetura, mais do que uma vocação, é a capacidade de mudar o mundo ao moldar o espaço e a vida das pessoas. A sua única meta profissional sempre foi procurar novos trabalhos, novos desafios de projeto e alimentar a curiosidade permanente sobre novas técnicas, materiais e abordagens.

Estudou arquitetura motivada pela curiosidade de observar e entender o mundo à sua volta. Encontrando na área a fusão entre a arte e a ciência, apostou numa profissão abrangente e criativa. Assume que a visão da arquitetura é muito pessoal e varia conforme as nossas experiências sensoriais, e considera que a sua tem um toque especial de quem observou muito, se interessou muito e teve oportunidade de lidar com professores e profissionais que a marcaram e influenciaram. “Tento ter a capacidade de ler o sítio, integrar a resposta e expressar a ideia de forma clara, concisa ao cliente. Não pretendo deixar uma marca no sentido de praticar uma arquitectura reconhecível, de autor. Nos dias de hoje perfilho a opinião de que a forma mais sustentável de construir é não construir! Se construirmos devemos fazê-lo de forma sustentável utilizando materiais de origem sustentável, de fácil reciclagem, usar betão verde, usar a madeira, reduzir a necessidade de sistemas mecânicos de ventilação e climatização e de segurança em espaços encerrados; utilizar sistemas de produção de energia a partir de fontes renováveis. No meu entender a Arquitetura pode ser anónima e impercetível desde que cumpra o seu papel que é o de mudar o mundo à nossa escala, onde intervimos, para melhor. Ao moldarmos o espaço moldamos a vida das pessoas. E é essa a minha missão como arquiteta”, confessa.

No papel de Mulher na liderança, assume ter alcançado o seu lugar com muito trabalho, dedicação e amor à causa. Contudo, apesar de ser exímia no papel que desempenha, continua a ter alguma dificuldade em descrever a líder perfeita porque, pela ordem natural das coisas, tudo muda ao longo do tempo: “O que era válido quando comecei não o é agora. Os jovens partilham conhecimentos e experiência de forma corrente e natural em espaços de coworking, sem reservas, sem limites, vivem menos ligados aos bens materiais e praticam uma forma de despojamento, de fazer inveja à nossa geração. Um líder, hoje, tem que perceber que a manutenção do nosso estilo de vida conduzirá inevitavelmente ao esgotamento dos recursos naturais antes do fim do século com uma escalada de guerras, epidemias e fome generalizada e tem que perceber na sua profissão o que poderá fazer para travar essa degradação acelerada. Reduzir o consumo, reciclar, reflorestar, renaturalizar os espaços são temas na agenda.”

No que refere à questão da igualdade de género, Maria Alvarez acredita que, intelectualmente, não há diferenças e que, por esse motivo, a questão da desigualdade nunca devia ser um obstáculo. “Tenho muitos exemplos de grandes arquitetas, cujo expoente máximo é Zaha Hadid, precocemente desaparecida, que ganhou um concurso anónimo em Hong Kong quando jovem, e não teve seguimento quando o cliente percebeu que o vencedor era uma mulher. Os seus colegas afirmavam convictamente que desenhava bem, mas nunca construiria nada e só muitos anos mais tarde, depois de reconhecida em todo o mundo, construiu a primeira obra no Reino Unido seu país de adoção. Foi necessária um vontade férrea, uma convicção profunda, uma entrega total, para alterar o status quo e tornar-se a primeira mulher a receber o Prémio Pritzker. (…) Os olhares discriminatórios, não só dos homens, existem em todas as profissões e aqui diria que há que ter coragem e confiança.”

São exemplos como este que trazem a luz e a esperança de que o caminho rumo ao topo é possível para todas as mulheres, em todas as áreas, desde que os ingredientes mérito, esforço e talento estejam presentes na receita para o sucesso.

“O arquiteto, tal como poeta, tal como maestro, é uma palavra sem género” remata.
“O arquiteto, tal como um maestro conhece a música, os instrumentos, os músicos, a acústica da sala, deve conseguir juntar o todo numa obra final harmoniosa. Sem ter que tocar todos os instrumentos deve ter esse conhecimento global e elevar o grupo a um resultado superior, surpreendente.”

Em relação ao papel como líder, acredita afincadamente que ver a equipa como um todo é fulcral para atingir a excelência, aliado com compreensão, paixão e tempo. Mestre na arte de liderar e certeira na visão sobre os processos de liderança rumo ao sucesso, deixa a sua visão sobre o mundo do trabalho e conselhos importantes: “Dificilmente um não arquiteto entende as longas horas necessárias a perceber o local e o programa, acarinhar o nascimento e desenvolvimento das ideias e transposição para o papel, licenciamentos, consulta ao mercado e acompanhamento da obra, dia e noite. É uma dedicação total que gera incompreensão dentro da própria família que se sente negligenciada. Este facto é, ainda hoje, desculpável ou existe maior compreensão, quando se é homem. O sentimento de culpa, quando não existe capacidade de aceitar esta condição, leva muitas mulheres a desistir e relegar-se para um segundo plano com um horário mais consentâneo com a família. Aprender a viver com essa dicotomia é um desafio que pode demorar uma vida a resolver. O meu conselho é não desistir nunca dos seus sonhos.”