O AMBIENTE DE 2020 QUERCUS UMA ASSOCIAÇÃO COM HISTÓRIA – 35 ANOS

Paula Silva, Presidente da Quercus

O ano de 2020 será sem dúvida um ano a ser recordado por todos! Algumas das palavras mais faladas foi indubitavelmente pandemia, máscara, desinfeção e confinamento. Esta nova realidade teve e terá imensas consequências, algumas menos positivas é bem verdade, mas também permitiu, com se poderá dizer “dar um tempo ao planeta”.

2020 é também o ano em que a QUERCUS – Associação Nacional da Conservação da Natureza completa os seus 35 anos. Que bonita idade! Uma das razões apontadas para o aparecimento do vírus é o fato da atividade humana, que, destruindo habitats, comercializando espécies silvestres, provocando o aquecimento global, perda de biodiversidade e de ecossistemas naturais permite que estejamos em contato com novos vírus e vetores desses vírus. Chegando ao ser humano numa versão falemos assim, altamente contagiosa e com possíveis sintomas que todos sobejamente conhecemos.

SERÁ QUE CHEGAMOS AO PONTO DE INFLEXÃO? SERÁ QUE A HUMANIDADE VAI FINALMENTE REVERTER A TENDÊNCIA DE GASTAR OS RECURSOS DO PLANETA E DEIXAR DE O SOBRECARREGAR?

Desde que me lembro de ser jovem sempre me interessei pelo mundo rural, atividades ao ar livre, cheiros como o da terra molhada no Verão, contactar com animais e ajudar nas lides agrícolas. Os Verões eram passados no interior norte do país e durante o resto do ano estudava na margem sul. Adorava a liberdade de viver na aldeia e o contato com a Natureza. Em 1985, já estudava na escola primária e a minha professora já falava em hábitos de poupança. Durante a minha adolescência tive a oportunidade de poder brincar no jardim em frente aos prédios lá do bairro, mexer na terra e jogar ao futebol humano! Lá em casa, ninguém deixava as luzes acesas ou desperdiçava água. É verdade que a questão era mais financeira, mas não deixou de ser educação ambiental!
Foi em 1985 que foi detectado o buraco na camada do ozono. Esta descoberta foi um alerta global e este passou a ser um ícone da luta pela conservação da natureza. Foram vários os desastres ambientais ocorridos no mundo. Fazendo uma resenha dos mais impactantes a nível mundial temos os derrames de petróleo, derrames tóxicos (metais pesados/pesticidas) e acidentes em centrais nucleares. Em Portugal em finais de 1984 um grupo de ativistas fundou a Quercus – Grupo para a Recuperação da Floresta e Fauna Autóctones, em Braga. Quercus é o nome em latim para o género de carvalhos que fazem parte da floresta autóctone de Portugal. O símbolo da Associação é uma folha de carvalho negral com uma bolota, protegida entre parêntesis. Em 31 de outubro de 1985, já no Porto, com a integração de outras associações mais regionais, foi criada formalmente. Havia necessidade de ter uma união e intervenção mais forte nessa área da sociedade. Apenas em 1987 foi alterado o nome para o atual – QUERCUS Associação Nacional da Conservação da Natureza. Essas associações regionais acabaram por dar origem aos núcleos regionais que permite até aos dias de hoje uma atividade mais de proximidade com as populações. A importância da Associação Quercus ao longo da história de Portugal é muito relevante. Com uma atitude inovadora, irreverente, mas ao mesmo tempo com uma forte base técnico-científica foi conquistando visibilidade da sociedade. Tendo alcançado o estatuto de utilidade pública. Com forte personalidade e com dirigentes com perfis vincados, é natural que ao longos destes 35 anos, nem tudo internamente tenha sido perfeito. Havia sempre muita discussão interna. Como em qualquer outra instituição com estas características a vida da Quercus passou por fases menos produtivas e mais conflituosas. O mais importante é regenerar-se de cada vez que passa por estas etapas. A natureza também é assim! Ao logo de 35 anos foram surgindo outras associações com missões parecidas às da Quercus. Na última década foi notório o crescimento das preocupações da população com o seu futuro, com a falta de água, com o consumo excessivo de recursos, com a qualidade do ar que respiram, com uma alimentação mais cuidada. Ultimamente os temas da sustentabilidade, economia circular, serviços do ecossistema tem vindo a ser agenda de toda a sociedade. Até pode parecer estranho, mas o papel de Greta Thunberg, despertou em muitos (especialmente nos jovens) uma vontade de querer assegurar um mundo melhor para viver. Inclusivamente estamos a assistir a uma mudança no setor empresarial com forte aposta em questões da sustentabilidade. Tenho pena é que algumas são apenas de greenwashing. Se analisarmos de uma forma muito simples, o modelo económico atual é de um apelo desmedido ao consumismo. Vejamos: para alimentar uma sociedade consumista, precisamos desde logo de mais recursos (perda de habitas naturais; poluição da extração; consumos de água) e atenção que quando falo em consumo, estou-me a referir a algo transversal. Consumo de vestuário, consumo de bens materiais, consumo associado às nossas casas, consumos com a nossa mobilidade e alimentação, entre outros! O marketing dos grupos económicos é agressivo e faz uma pressão constante no consumidor. Já perceberam porque muitas pessoas que vivem em aldeias onde não há comércio muitas vezes conseguem poupar e amealhar debaixo do colchão, mesmo a receber muito menos ao fim do mês!
Acabamos por consumir mais e muitas vezes com menor qualidade. Vejamos o caso de uns simples sapatos. Em muitos casos estes são fabricados com mão de obra paga a baixo custo, com materiais de fraca qualidade, fazem muitos quilómetros para chegar às nossas lojas. Mesmo assim são baratos. Para além do cheiro a plástico e às vezes outros menos agradáveis, depois de meia dúzia de utilizações, estragam-se. Não compensa reparar estes sapatos, porque o preço do arranjo no sapateiro é superior a um par de sapatos novos. Já não servem e seguem para o lixo. Repliquem este exemplo pela população mundial (obviamente a mais ocidental). O setor da agricultura/alimentação é outro dos setores que para além de destruir muitos habitats naturais, utiliza muitos tóxicos, os alimentos por vezes fazem milhares de quilómetros, gastos em conservação e embalagem, para no fim termos um excesso de desperdício alimentar! Temos uma sociedade atualmente muito baseada em bens materiais e quantidades, egoísta para com as gerações seguintes. A geração vindoura tem toda a razão de reclamar um planeta mais são. A educação e sensibilização ambiental, pelo menos nas camadas mais jovens é uma temática sobejamente abordada. Pena é que quando chegam à fase adulta não seja na prática tão apurada como poderia prever. O esforço devia ser global, porque globais também são as consequências. São milhares as denúncias e os reportes de situações diárias que chegam à QUERCUS e apesar de estarmos melhor na proteção e legalidade associada ao ambiente, crime ainda compensa, especialmente em casos em que o foco da poluição está associado a um grande grupo económico. Defendo que as coimas e a fiscalização devia ser mais apertada. Com reais consequências para os criminosos. Afinal todos nós vamos ser prejudicados. Atualmente desempenho o cargo de Presidente da Direção Nacional da Quercus, um cargo voluntário, mas com enorme responsabilidade. É o desafio mais sério e difícil que alguma vez tive na vida. Na história da Quercus apenas houve uma presidente da direção nacional, sendo eu a segunda a exercer. Mas esta associação sempre contou com um leque alargado de colaboradores, simpatizantes, sócios, que tiveram um papel igualmente importante. Associação é isso mesmo, pressupõe uma equipa multidisciplinar que luta por uma missão comum, associamo-nos! Apesar de uma maior consciência ambiental, penso que a sociedade ainda não está preparada para a mudança. Existem muitos hábitos ainda entranhados culturalmente difíceis de mudar em pouco tempo. Terá o planeta Terra esse tempo? O que o Homem fingia que não via, a natureza tratou de demonstrar!  Esperemos que este ano de 2020 sirva para refletirmos no AMBIENTE. Que por definição vem do latim ambiens/ambientis, com o sentido de envolver algo. O nosso Ambiente envolve todas as circunstâncias e condições que nos envolvem. Que sejamos conscientes dos nosso atos e na duvida pense sempre: Que futuro quero deixar aos nossos filhos?